Neste artigo, retirado do Blog da Cidadania, Eduardo Guimarães comenta a entrevista dada pelo jornalista Jânio de Freitas ao programa Roda Viva, da TV Cultura.
"Apesar da convicção deste blog quanto ao combate que dá ao que
considera um dos maiores problemas contemporâneos, o imperialismo da
mídia que se abate sobre a humanidade e que tem como subprodutos
injustiça, discriminação, racismo e até cumplicidade com o crime
organizado, para os justos sempre sobra uma pontinha de dúvida quanto a
maus juízos.
Nesse aspecto, entrevista que Jânio de Freitas – decano do colunismo
político brasileiro e colaborador da Folha de São Paulo – deu na
segunda-feira ao programa Roda Viva serviu para me dirimir qualquer
dúvida quanto ao que tem sido feito nesta página.
Não foi um “petralha” ou um “mensaleiro” que disse tudo o que será
comentado a seguir, mas um dos jornalistas mais celebrados e respeitados
do país sobretudo por sua isenção, a qual, segundo relatou no programa,
fez com que fosse perdendo leitores ao longo de cada governo pelo qual o
país passou após a redemocratização.
Segundo Jânio, ele foi perdendo leitores simpatizantes do governo
Sarney, do governo Collor, do governo Itamar, do governo FHC, do governo
Lula e, agora, do governo Dilma. Instado a comentar cada um desses
governos e eleger o “mais nefasto”, sobraram críticas para todos, de
Sarney a Dilma. Mas o ponto alto do programa foram suas críticas à
imprensa.
Janio elegeu o governo Collor como o mais nefasto, criticou Lula por
ter mudado de discurso sobre a política econômica de FHC, que, segundo o
colunista, o petista adotou em seu governo, mas foi para o
ex-presidente tucano que a crítica foi arrasadora simplesmente porque
fez o que nunca pensei que veria na televisão aberta brasileira: disse
que a mídia é tucana.
Além de ter dito que a compra de votos para a reeleição de FHC – e
não o “mensalão petista” – é que foi o maior escândalo do
pós-redemocratização, lembrou a relação promíscua e antijornalística que
envolveu o jornal para o qual escreve e o resto da grande mídia
(leia-se Globo, Estadão, Veja etc.) e o governo federal tucano: disse,
textualmente, que esses veículos serviram de “suporte político” a FHC.
Todavia, a parte mais surpreendente da entrevista ocorreu ao seu
final. Segundo anunciou o programa Roda Viva ao começar, Jânio falaria
de imprensa e, sobretudo, do julgamento do mensalão.
Os entrevistadores, após uma gracinha do blogueiro da Globo Ricardo
Noblat instando Jânio a falar sobre isenção da imprensa ainda no início
do programa, devido às bombas que o entrevistado soltou tentaram
“cozinhá-lo” durante o resto do programa sem tocar no assunto julgamento
do mensalão, até porque previram o que sobreviria.
Ocorre que, entre os entrevistadores, estava outro jornalista decente
e corajoso, Mario Magalhães, que foi ombudsman da Folha por um único
ano, tendo deixado o cargo bem antes do previsto porque o jornal tentou
coibir as críticas dele quanto ao seu partidarismo político pró PSDB e
por seu antipetismo escancarado.
Em sua coluna de “despedida” do cargo de ombudsman da Folha, Magalhães escreveu o seguinte:
“A Folha condicionou minha permanência ao fim da
circulação das críticas diárias na internet; não concordei; diante do
impasse, deixo o posto”
Nas críticas diárias, o então ombudsman apontava, dia após dia, a
parcialidade e a distorção dos fatos na cobertura política do jornal,
além de seu partidarismo exacerbado pró-PSDB e anti-PT. A Folha, então,
argumentou que seus inimigos políticos estavam “se aproveitando” do que
seu ombudsman escrevia… Acredite quem quiser.
Após os petardos desferidos por Jânio, que calaram Noblat, e como
ninguém tocasse no assunto que o programa prometera submeter ao
entrevistado, o desempenho da mídia quanto ao julgamento do mensalão,
Magalhães fez o que devia: pediu a opinião do colunista da Folha sobre o
assunto.
A resposta de Jânio produziu, entre os entrevistadores, uma reação
inacreditável. Todos pareceram em verdadeiro estado de pânico e o
apresentador encerrou rapidamente o programa. Hoje, na Folha, não saiu a
coluna de Jânio e matéria do jornal sobre sua entrevista ao Roda Viva
diz apenas que ele fez “críticas a imprensa”, sem especificar nada.
Abaixo, transcrevo a pergunta de Magalhães e a resposta de Jânio. Ao fim do post, o vídeo com a íntegra do programa.
—–
Mario Magalhães – Janio, você tem sido um
solitário crítico contundente das grandes publicações sobre a cobertura
jornalística do julgamento do mensalão. Se você pudesse sintetizar quais
são os maiores problemas do jornalismo na cobertura do julgamento…
Janio de Freitas – Eu não sou das pessoas que
acham que jornal não pode ter uma posição política definida. Jornal é
uma empresa privada. Tem direito de escolher a linha que queira. Não há
nenhum impedimento para que um jornal assuma uma determinada posição em
face de alguma coisa. Pode, inclusive, fazer isso jornalisticamente.
Agora, o que eu não aceito é que haja todo um discurso da
neutralidade, da imparcialidade, mas não a prática. Porque nós estamos
cansados de saber que um pequeno título (…), isso induz o leitor a uma
ideia negativa a respeito do governo, uma ideia pessimista a respeito do
futuro… Nós sabemos que a influência subliminar do jornalismo, é
gigantesca.
Quando não é subliminar, é explicitada – agora, por exemplo, na
pressão imensa que foi feita às vésperas do início do julgamento em
favor da condenação –, isso retira, aos jornais, toda a autoridade moral
para fazer uma avaliação justa, correta, realmente imparcial, do que
está acontecendo no mensalão ou aconteceria em qualquer outra coisa.
Essa é a minha crítica. Não foi o comportamento que antecedeu o
início do julgamento, foi um comportamento de “parti pris” [posição
assumida preconcebidamente] mesmo, de tomada de posição, sem admitir
que “estamos tomando tal posição” pela condenação de fulano, beltrano,
sicrano. É aquela coisa, sabe, enviesada… Isso é inadmissível.
Eduardo Guimarães - Blog da Cidadania
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