O sociológo Marcos Coimbra, em artigo publicado no Correio
Braziliense, desqualifica a tentativa da revista Veja de envolver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o publicitário Marcos Valério, um dos principais acusados na Ação Penal 470, em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Para ele, a única razão de ser da "matéria" é a tentativa de ajudar a candidatura tucana de José Serra à prefeitura de São Paulo. Aproveita para dar uma estocada na publicação da editora Abril, uma "revista, que se dedica apenas ao combate ideológico e
que se desobriga, por essa razão, de honrar as regras do jornalismo.
Para ela, vale tudo. " Leia a íntegra do artigo, intitulado "Revelações e Eleições".
"O mais rumoroso evento político da semana passada, a publicação pela
revista Veja de uma matéria contendo algumas declarações de Marcos
Valério e muitas ilações a respeito do que ainda teria a dizer sobre o
"mensalão", deve ser compreendido em função do momento que vivemos.
No front jurídico imediato, não tem significado. Quem entende do
processo que corre no Supremo Tribunal Federal afirma que os votos dos
ministros estão escritos e não mudariam porque um dos réus disse isso
ou aquilo.
Nem se a questão fosse suscitada por um veículo com credibilidade.
Não é o caso dessa revista, que se dedica apenas ao combate ideológico e
que se desobriga, por essa razão, de honrar as regras do jornalismo.
Para ela, vale tudo.
Não cabe especular sobre o que teria motivado Valério a falar — o
que quer que tenha dito. Desinformado é que não está, considerando a
qualidade dos advogados com que conta. Ele sabe que, a essa altura do
processo, lançar suspeitas sobre Lula ou outras pessoas só aprofunda
seus problemas.
Estamos entrando na hora decisiva do julgamento, quando a "fatia"
política será avaliada pelos ministros. É agora que a suposição da
Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o pretenso esquema de
compra de votos de parlamentares — que teria existido entre 2004 e
2005, para aprovar medidas de interesse do governo — começará a ser
discutida.
Desde a CPI, essa é a parte mais fantasiosa e frágil das denúncias.
Por mais que alguns deputados oposicionistas tivessem tentado ligar
pagamentos recebidos por partidos e parlamentares a votações
específicas, nenhuma foi identificada com clareza. A completa falta de
sentido de o governo pagar integrantes de sua bancada mais fiel para
que votassem assim ou assado apenas ressalta a insipiência da hipótese.
Quanto à PGR, ela não conseguiu avançar um milímetro na demonstração
dessa vinculação. Que benefício teria agora Valério estabelecendo-a,
ainda que somente com base em declarações não substanciadas? Justo
quando serão julgados os políticos acusados? O que ganharia confessando
ser parte de uma quadrilha que cometeu um crime grave? Boicotar o
trabalho da defesa? E a revista? O que ganha publicando a "entrevista"
agora?
No tocante ao julgamento, nada. O ambiente de pressão sobre os
juízes está construído e a matéria não aumenta o risco que correm de
ser achincalhados se votarem em desacordo com o que ela deseja.
Isso, eles já entenderam.
Ou seja: para Valério e a revista, dentro da história do julgamento
do "mensalão", ela é inútil (o que não quer dizer que não possa ter
relevância nas guerras de longo prazo em que estão engajados — ele,
tentando reduzir as provações que o aguardam, ela, na luta contra o
"lulopetismo".
A matéria tem outra razão de ser.
Quem mora fora de São Paulo não entende a importância que a eleição
de prefeito assume para quem faz política na cidade. Acham que é
fundamental para o Brasil. Quem não é "serrista" não compreende a dor
de ver seu preferido prestes a sofrer uma derrota humilhante. Se
agarrando à tênue hipótese de derrotar Fernando Haddad e receber o voto
petista para enfrentar Celso Russomano.
Chance remota? Pouca possibilidade? Não importa. O que puderem fazer
para que ele ultrapasse Haddad farão. Não é difícil ver as ligações.
José Serra traz o mensalão para sua propaganda eleitoral, na hora em
que falham os velhos argumentos ("o mais preparado", "o líder nas
pesquisas" etc.).
Na semana seguinte, a revista faz matéria bombástica, com capa
pronta para a televisão. Que coincidência feliz. Que acaso
extraordinário!
Vai dar certo? Pouco provável. Mas é o que têm."
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do instituto Vox Populi
(artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, edição do dia 19 de setembro de 2012)
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