Neste artigo, publicado no Diário do Centro do Mundo, o jornalista Paulo Nogueira questiona o porquê da lulofobia:
"Lula é, certamente, o homem mais odiado pelo chamado 1%, para usar a já
histórica expressão do Movimento Ocupe Wall St. (Para os 99%, o posto é de
Serra, com o surgimento de uma concorrência potencial em Joaquim Barbosa, o
Batman.)
É impressionante o júbilo com que é celebrada pelo 1% qualquer notícia que
possa servir de munição contra Lula, o lulismo, o lulo-petismo e outras
designações criadas pelos obsequiosos porta-vozes de um grupo pequeno mas
barulhento que torce e trabalha para que o Brasil jamais se torne uma Dinamarca,
ou uma Noruega, ou uma Finlândia.
São sociedades harmoniosas, não divididas entre 1% e 99%, como o Brasil.
Apenas para registro, o Brasil campeão mundial da desigualdade – com todos os
problemas decorrentes disso, a começar pela criminalidade – foi obra exatamente
deste grupo.
O Estado brasileiro foi durante décadas uma babá do 1%. Calotes em bancos
públicos eram sistematicamente aliviados em operações entre amigos – mas com o
dinheiro do contribuinte. Cresci, como jornalista, nos anos 1980, com o Jornal
do Brasil transformando dívidas com o Banco do Brasil em anúncios.
Este é apenas um caso.
O BNDES foi sequestrado, também, pelo 1%: a inépcia administrativa de tantas
empresas familiares malacostumadas pela reserva de mercado era premiada com
operações de socorro financeiro. Sempre com o dinheiro do contribuinte.
Apenas para registro também, lembremos que a reserva de mercado sobrevive
ainda – não me pergunte por que – na mídia que tanto clama por competição, mas
para os outros.
O 1% detesta Lula, não porque Lula tenha nove dedos, ou seja metalúrgico, ou
fale errado, ou torça pelo Corinthians. Detesta Lula porque ele não representa o
1%. Se representasse, todos os seus defeitos seriam tratados como virtudes.
Não votei em Lula nem em 2002 e nem em 2006. Portanto, não tenho mérito
nenhum na sua chegada à presidência e na consequente, e fundamental, mudança de
foco do governo – ainda que cheia de erros — rumo aos 99%.
Mas não sou cego para não enxergar o avanço. O maior problema do Brasil – a
abjeta desigualdade social – começou ao menos a ser enfrentado sob Lula.
Hoje, quando homens públicos em todo o mundo elegem a desigualdade social
como o mal maior a debelar, parece óbvio que Lula tinha mesmo que prestigiar os
99% ao se tornar presidente.
Mas nenhum presidente na era moderna nacional viu o óbvio. Mesmo ao erudito
poliglota Fernando Henrique Cardoso – de quem ninguém pode subtrair o mérito por
derrubar a inflação – escapou o óbvio. Tente encontrar alguma fala de FHC, na
presidência, sobre o drama da iniquidade social. Em qualquer uma das múltiplas
línguas que ele domina. Zero.
É dentro desse quadro de colossal ódio a Lula que se deve entender a forma
com quem está sendo tratado o caso de Rosemary Nóvoa de Noronha, indiciada por
corrupção pela Polícia Federal em suas funções como chefe do escritório do
gabinete da presidência em São Paulo.
Rosemary foi demitida imediatamente por Dilma, e agora vai responder pelas
suas supostas delinquências, como um cruzeiro e uma plástica na faixa, pelo que
foi noticiado.
Mas ela é personagem secundária na chamada Operação Porto Seguro. O
protagonista é Lula. Nos artigos sobre a história, Lula ocupa o pedestal. “A
mulher do Lula”, escreveu alguém, embora ela tenha sido secretária por muitos
anos de José Dirceu. Foi para Dirceu, e não para Lula, que, segundo agentes
policiais, ela ligou desesperada quando a PF chegou a seu apartamento na
prosaica 13 de Maio, bairro das cantinas italianas em São Paulo. Nada existe de
luxuoso no apartamento, ainda de acordo com a polícia.
Rosemary é uma escada pela qual, mais uma vez, se tenta pegar Lula. Estaria
Lula envolvido na plástica suspeita de Rosemary? E no cruzeiro? O dinheiro terá
vindo do valerioduto?
Chega a ser engraçado.
Tenho para mim o seguinte. Se os lulofóbicos dedicassem parte da energia que
consomem em odiá-lo na procura honesta de formas de convencer os eleitores de
que são mais capazes que Lula para combater a desigualdade social, eles já
estariam no Planalto a esta altura, e do jeito certo, numa democracia: pelas
urnas."
Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres.
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