sexta-feira, 18 de março de 2011

“Defender interesses nacionais não é antiamericanismo”, diz Moniz Bandeira

O professor Luiz Alberto Moniz Bandeira rebate críticas de certos setores conservadores à posição de quem questiona o papel dos Estados Unidos e certos aspectos das relações da maior economia do mundo com o Brasil. “É necessário entender que a defesa dos interesses nacionais não significa antiamericanismo”, diz o professor, que é doutor em ciência política pela USP e autor de mais de 20 livros, muitos tratando de Brasil e Estados Unidos. “O Brasil e os EUA têm contradições de interesses, assim como convergências. As relações entre os dois países nem sempre foram suaves, como geralmente se supõe”, disse ele, em entrevista à Folha de S. Paulo publicada na sexta-feira, 13/3.

Segundo Moniz Bandeira, o interesse maior dos Estados Unidos, com a visita de dois dias de Barack Obama ao Brasil, com inicio neste sábado (19), “é abrir mercados para as suas exportações e garantir seu abastecimento energético, do qual é absolutamente dependente”

Abaixo, a íntegra da entrevista:

Folha - O que buscam os EUA com essa visita?

Luiz Alberto Moniz Bandeira - O maior interesse dos Estados Unidos, no momento, é abrir mercados para as suas exportações e garantir seu abastecimento energético, do qual é absolutamente dependente. E o Brasil não só apresenta um grande potencial de crescimento como também deverá se tornar uma das maiores fontes de petróleo com a exploração do pré-sal. Com a instabilidade no Oriente Médio, a possibilidade de que o Brasil possa suprir suas necessidades é fundamental para os EUA.

Quais devem ser os principais temas?

Obama tentará convencer Dilma de que a moeda desvalorizada da China é maior problema para o Brasil do que para os EUA. Entretanto, em 2010, a China conseguiu um superavit comercial de US$ 181 bilhões com os EUA. Ao contrário do que ocorreu com o Brasil, um deficit de cerca de US$ 7 bilhões. A verdade é que os EUA, para aumentar a competitividade de suas exportações, tratam de desvalorizar o dólar. Obama alimenta a pretensão de alinhar o Brasil com os EUA, mas é difícil consegui-lo. A China provavelmente já é o maior investidor estrangeiro no Brasil.

A relação comercial com os EUA pode mudar?

Não creio. Devido aos imensos déficits comercial e fiscal e a uma dívida pública que ultrapassa US$ 14 trilhões -virtualmente igual ao seu PIB- o interesse dos EUA não é importar, mas exportar. Precisa reduzir seu deficit comercial, aumentando exportações para também conter a alta de desemprego.

No Brasil o antiamericanismo é maior ou menor ao do passado?

É necessário entender que a defesa dos interesses nacionais não significa antiamericanismo. O Brasil e os EUA têm contradições de interesses, assim como convergências. As relações entre os dois países nem sempre foram suaves, como geralmente se supõe. No século 19, o Brasil suspendeu três vezes (1827, 1847 e 1869) suas relações diplomáticas com os EUA, apesar de destinar para lá, desde 1848, a maior parte de suas exportações (café). O relacionamento só melhorou a partir de 1870, quando o Brasil se tornou extremamente dependente das exportações de café para lá.

Como o sr. avalia a situação econômica e política dos EUA?

A situação econômica e financeira dos EUA é muito ruim e dificilmente Obama poderá superá-la. É similar à da Grécia e de alguns outros Estados na União Europeia. Os EUA têm a maior dívida externa líquida do mundo. A vantagem deles consiste no fato de que o dólar é ainda a moeda fiduciária, a moeda internacional de reserva.

O sr. concorda com a avaliação de que Obama cedeu aos interesses do mercado financeiro? Em que ele se diferencia de Bush?

Ele cedeu a todos, ao mercado financeiro, aos neoconservadores, que continuam a dominar a máquina do Estado americano, ao complexo industrial-militar etc. A secretária Hillary Clinton a ele se sobrepõe na política exterior. Até agora Obama quase nada cumpriu do que prometeu. Sua política, na essência, é a mesma da que realizou George W. Bush. A diferença está no estilo e na tonalidade. Ambos defendem interesses imperiais dos EUA.

segunda-feira, 14 de março de 2011

"Aprofundar a democracia e combater influência do grande capital nas eleições"

"A Câmara acaba de instalar uma comissão especial para tratar da reforma política. A iniciativa coincide com um momento em que cresce a consciência da necessidade de um revigoramento de nosso sistema político e eleitoral.

O Brasil tem uma democracia representativa de massas, mas o sistema pode ser aperfeiçoado, com medidas que reduzam os custos das campanhas e deem sentido programático às disputas.

A crescente preponderância do poder econômico nos processos eleitorais tem provocado profundas distorções nas instituições legislativas e executivas. Amplos setores da sociedade são alijados das disputas eleitorais, em função dos altos custos das campanhas. Tal fato é facilmente observável nas disputas por cargos executivos em todos os níveis e, principalmente, nas eleições proporcionais.

A interferência do grande capital privado nas eleições é uma das principais fontes das crises políticas que vivemos nos últimos tempos. O uso de caixa dois e favorecimentos a candidatos ligados ao capital resultam em aumento do tráfico de influência e da corrupção no âmbito da administração pública.

O financiamento público vai explicitar os custos do sistema político, não os transferindo para o Estado, via contratos. O único compromisso da pessoa eleita, seja em que esfera for, será com o eleitor. Financiamento público pode não ser perfeito, mas ajudará a limitar as fraudes e facilitará a fiscalização.

O sistema de votação atual é uninominal, em que um eleitor vota num candidato, sem ter em vista a cultura programática. Isso enfraquece os partidos. Daí a necessidade do voto partidário, que vai fortalecer os partidos e permitir mais racionalidade ao debate eleitoral.

Garante-se, assim, mais nitidez partidária e programática, tirando o caráter personalista do sistema atual, em que candidatos apresentam propostas voluntaristas, clientelistas, ilusórias. Caberá aos partidos mudar o seu funcionamento, com garantia de democracia interna.

Precisamos rejeitar soluções mistificadoras, como as do voto distrital e do "distritão". Este quebra o pluralismo, a proporcionalidade, acentua a influência do poder econômico e exacerba o personalismo.

O voto distrital transforma o Congresso em espaço para assuntos paroquiais e permite que uma minoria social detenha a maioria parlamentar, eliminando o princípio "a cada eleitor, um voto", que preserva o caráter plural do Parlamento.

Necessitamos de estímulos à representação feminina e de negros nos três níveis de representação legislativa, além de mecanismos que aprofundem a participação da população na política, via plebiscitos e referendos, como nas democracias mais avançadas.

As mudanças que preconizamos fortalecem nossa democracia, dão mais transparência ao nosso sistema representativo e, sobretudo, asseguram mais agilidade e legitimidade nos mecanismos de expressão de toda a sociedade. Eis o desafio do Congresso Nacional.

Paulo Teixeira é deputado federal (PT-SP) e líder do PT na Câmara."

(Texto publicado na coluna Tendências/Debates do jornal Folha de S. Paulo, edição de 13/03/2011).