sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Indultos, impeachment etc.

Renato Janine Ribeiro

Esta segunda-feira, o Supremo Tribunal Federal, em que pese a retórica de alguns de seus membros, infringiu a Constituição, cuja guarda lhe incumbiria. Não interessa aqui discutir se o artigo 55 dela é justo ou não, bom ou não; ele determina que um parlamentar só perde o mandato, em decorrência de condenação judicial, com o endosso da casa legislativa à qual ele pertence. Tal regra é estranha, pois pode permitir que sentenças judiciais não sejam cumpridas. Mas o fato é que ela está na Constituição. Os ingleses e canadenses, por exemplo, se indignam não apenas com as injustiças, mas com o descumprimento da lei. Mude-se a lei, se com ela não concordarmos. Mas mude-se pelo processo correto, que é o voto pelos representantes eleitos do povo. O que o Supremo fez esta semana foi invadir a competência dos dois Poderes eleitos, os dois Poderes legitimados pelo voto do soberano, que é o povo. Isso é grave, não só porque é errado do ponto de vista político, ético e constitucional, mas também porque pode prenunciar ataques ao voto popular.

Nada impediria que no futuro o Supremo, alegando por exemplo cláusulas gerais da Constituição, como o respeito à moralidade (art. 37), decidisse, por exemplo, cassar um candidato eleito, por ter vagamente violado um preceito moral do gosto dos juízes, até mesmo na sua vida privada. E isso pouco importando se ele foi eleito pelo povo. A Corte Suprema já tolerou a substituição do governador tucano da Paraíba e do governador pedetista do Maranhão, ambos cassados, pelos candidatos que eles haviam derrotado. Já sustentei aqui que o STF é bom nos direitos humanos mas entende pouco de democracia: jamais um candidato vencido em eleição majoritária poderia tomar posse. Some-se a isso a decisão monocrática do ministro José Fux, impedindo o Congresso de votar um veto presidencial. Não está certo o Judiciário impedir o povo ou seus eleitos de decidir questões políticas.

Se o Supremo não garante a Constituição, mas escolhe nela o que vale e o que não, isso pode abrir lugar para reações que seria melhor não ocorrerem. Em algum momento, é possível que se peça o impeachment de algum ministro do Supremo. A Constituição prevê essa possibilidade. Começa com a denúncia sendo aprovada pela Câmara, que remete o julgamento ao Senado, que portanto atua como tribunal. Dado que o Senado só pode sentenciar por dois terços de seus membros, nenhum ministro do STF será condenado por crime de responsabilidade. Mas, se tal processo ocorrer, não será bom para ninguém. Acusações ressoarão no plenário do Congresso. As coisas podem piorar se, num tal processo, o Supremo decidir regulamentar como o Senado deverá proceder. O STF, como intérprete da Constituição, interviria na economia interna do tribunal que estará julgando um de seus membros.

Outra reação, mais viável, seria uma emenda constitucional limitando a ação do STF em matéria política. Tal medida nada teria de anti-democrática. Ao contrário, garantiria que a vontade do povo prevaleça sobre as simpatias de magistrados não eleitos mas que interfiram nas decisões dos eleitos. Já se falou numa emenda tal, esta semana. Mas o STF tem dado indicações de acreditar que possa invalidar partes da Constituição, e poderia anular uma emenda constitucional que limitasse seus poderes. Isso o constituiria como poder supremo na República, acima dos outros e do povo, que deixaria de ser soberano: nova e maior crise.

Finalmente, outro elemento que pode surgir da caixa de Pandora que o Supremo desnecessariamente abriu nos últimos dias é o do indulto presidencial a réus do mensalão. O indulto é um direito absolutamente inconteste, em nosso ordenamento constitucional, da Presidência da República. É diferente da anistia, que é uma lei, votada pelo Congresso e sancionada pelo Executivo, apagando o crime. O indulto vem por decreto presidencial, sem participação do Legislativo, e não zera a folha corrida da pessoa. Mas é constitucional. É lícito o Executivo indultar, no todo ou em parte, o condenado que quiser. Tenho a convicção de que Dilma Rousseff não quer indultar os réus. Isso teria um custo político alto, pois ela passaria por simpática a pessoas que parte da opinião pública vê como criminosas. Mas notem que, segundo a FGV, a confiança da população no Judiciário diminuiu durante os meses do julgamento, passando de 42 a 39%. A percepção social do terceiro Poder não melhorou (também, não piorou sensivelmente). Mas o STF não está blindado contra uma campanha.

É pena que, depois de julgar um caso tão momentoso e abrir uma jurisprudência importante, o Supremo esteja terminando o episódio com questões tão menores. O grande argumento contra as decisões que tomou é que estaria esvaziando os Poderes democraticamente eleitos. Isso, obviamente, não é bom para a democracia. Com todo o respeito pelo STF, lembremos que o mais conhecido tribunal superior do mundo, a Corte Suprema dos Estados Unidos, fez um mal danado àquele país no período que culminou no governo de Franklin Roosevelt. Durante meio século, ele fulminou toda lei social ou trabalhista. (Nosso STF está longe disso e tem uma bela folha na questão dos direitos humanos). Roosevelt chegou a propor, ao Congresso, a reforma da corte. Ela não foi aprovada, mas o Supremo recuou.

Enquanto isso, é Michel Temer quem propõe uma solução de conciliação: que o Supremo reconheça o direito da Câmara a cassar os seus membros, e que esta o faça. É o óbvio. Mas, quando as paixões substituem a reflexão, o óbvio fica difícil. Problemático é quando isso ocorre no Poder que deveria ser o mais ponderado, até porque seu símbolo é a balança. Se Temer tiver êxito, as instituições se acalmam - e ele acumula créditos no céu, por tê-las salvado. Mas instituições não deveriam precisar que alguém as salve. Instituições existem, justamente, para terem uma lógica que neutralize as paixões.



Artigo publicado no Valor Econômico de 21/12/2012
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo e colunista do "Valor"

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Baixo crescimento, ideologia, pensamento


Luiz Carlos Bresser-Pereira

O baixo crescimento do PIB brasileiro no terceiro trimestre deixou os economistas convencionais alvoroçados. Afinal, tinham como criticar o governo desenvolvimentista da presidente Dilma Rousseff.
Qual a crítica? Que a baixa taxa de investimento (18% do PIB) deve-se à política industrial adotada pelo governo; que os empresários teriam ficado desorientados com as diversas medidas de estímulo fiscal e monetário que o governo vem tomando e teriam se tornado inseguros, teriam reduzido suas expectativas de crescimento e, assim, deixado de realizar investimentos.
Ora, isso não é explicação econômica; não implica pensamento, mas repetição da ideologia neoclássica e neoliberal, para a qual toda política industrial é sempre condenável porque distorceria a alocação de recursos. É ideologia equivocada, porque a experiência secular dos países mostra que isso é falso: que política industrial geralmente é um fator de desenvolvimento econômico.
Mas, então, qual é a causa do baixo crescimento? Em primeiro lugar, é preciso considerar que houve provavelmente erro do IBGE ao não considerar as variações de estoque em suas estimativas do PIB.
Conforme afirma com a competência de sempre Francisco L. Lopes, na Macrométrica, "a partir de 2010, os gestores e planejadores das empresas, assim como o distinto público, dentro e fora do país, resolveram acreditar que o Brasil se transformara em tigre asiático" e, por isso, aumentaram excessivamente a produção. Em 2012, não obstante suas vendas continuem satisfatórias, reduziram a produção porque se puseram racionalmente a reduzir estoques.
Mas o crescimento não é satisfatório, apesar da coragem que o governo revelou ao reduzir juros reais e ao lograr alguma desvalorização da taxa de câmbio. Não o é porque a taxa de câmbio está longe do equilíbrio (cerca de R$ 2,70 por dólar).
O crescimento também não é satisfatório porque uma política industrial, por melhor que seja, não tem condições de sanar esse desequilíbrio fundamental da economia brasileira. Muitos desenvolvimentistas ainda não entenderam isso e, baseados na experiência do alto crescimento do Brasil (1930-1980), acreditam nas virtudes mágicas da política industrial. Isso também é ideologia sem base no pensamento.
A "política industrial" desse período não era apenas um sistema de incentivos à indústria (política industrial estrito senso); era também, senão principalmente, uma política macroeconômica através da qual o governo mantinha a taxa de juros real baixa e a taxa de câmbio no equilíbrio industrial, neutralizando, portanto, a doença holandesa.
Isso se fazia por câmbios múltiplos e, nos anos 1970, por tarifas de importação e subsídios à exportação, os quais não eram mero protecionismo, como geralmente se pensa, mas uma forma de estabelecer o imposto sobre as exportações de commodities.
Deixemos, portanto, de lado as ideologias e tratemos de pensar. O governo está fazendo isto: uma política monetária e industrial competente, que já logrou baixar os juros, depreciar parcialmente o câmbio e, através do PAC, busca planejar e aumentar os investimentos nos setores não competitivos.
Está no caminho certo.

Artigo publicado na Folha de S.Paulo

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O que está em jogo

Ricardo Berzoini

A trajetória do brasileiro Luís Inácio Lula da Silva marcou a redemocratização do Brasil de uma forma extraordinária. Uma liderança popular, oriunda do movimento sindical, com a simbólica origem na grande migração interna do Nordeste para o Sul e com o signo na luta pela liberdade de organização dos trabalhadores. Contribuiu decisivamente para o fim da ditadura, somando a mobilização trabalhista de massas ao processo de resistência institucional, comandado pelo velho MDB e por lideranças intelectuais e religiosas. Fundou um partido político de baixo para cima e ajudou a criar uma central sindical democrática, que se transformou numa das maiores do mundo.

Sua biografia já seria magnífica, se terminasse por aí. Mas, disputando quatro eleições presidenciais, venceu em 2002, para assumir um país estagnado e sem perspectivas, subordinado à globalização financeira e apequenado nos fóruns internacionais.

Em apenas oito anos de governo, Lula tirou o Brasil do marasmo, despertou e coordenou forças positivas, transformou a economia e a política, e fez a grande obra referencial do início do século 21: recolocou a autoestima do povo em alta, como demonstram todas as pesquisas de opinião do fim de seus dois mandatos.

A desigualdade caiu fortemente, regional e socialmente, milhões migraram de classe socioeconômica, para melhor. O desemprego caiu pela metade. O país voltou a crescer. Programas inovadores, em várias áreas, tornaram-se referências internacionais. A educação técnica e superior ganhou grandes investimentos. Lula foi reeleito e elegeu sua sucessora, A primeira mulher presidente da República. Não caiu na tentação de um terceiro mandato, como muitos apregoavam insistentemente, temerosos de sua popularidade. Muitos anunciaram o mito, por mais que ele próprio sempre tenha preferido sua dimensão humana de cidadão. Foi reverenciado em boa parte do planeta como um exemplo de liderança. O cara, como disse um certo presidente de um importante país.

As recentes tentativas de desgastar sua imagem não são novidade na história do Brasil, nem na vida de Lula. Mas demonstram a intolerância daqueles que não se conformam com os resultados das urnas e buscam outros territórios para tentar a revanche. Lula nunca se afastou de suas convicções e, como pessoa, sempre sacrificou sua vida pessoal para conduzir as lutas populares. Formou uma geração de lideranças, estimulando o surgimento de novos quadros políticos em seu partido, que sabe se renovar, a cada período.

Tentar lhe atingir moralmente, com base em ilações e suposições, é a última esperança dos que não souberam perceber que o povo brasileiro hoje tem muito mais discernimento e confiança em suas avaliações, exatamente por ter percebido que aquele que sempre foi atacado e desprezado pelas oligarquias revelou-se o líder necessário que recuperou a confiança nacional. Como com Getúlio e Juscelino, os oligarcas sentem a necessidade de destruir o mito. Mas o mito é líder. E é chamado novamente a percorrer o Brasil, sem medo de ser feliz, para dizer claramente o que está em jogo.

Ricardo Berzoini é deputado federal (PT-SP) e presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados

(Artigo publicado originalmente  no jornal O Globo, edição do dia 17 de dezembro de 2012)

O rancor da velha mídia não nos vencerá

Faltando poucos dias para terminar 2012, a velha mídia continua sem pauta consistente, e a oposição sem um projeto concreto. Utilizam artifícios, esquentam velhas notícias divulgadas por elas mesmas anos atrás e tentam a todo custo transformar mentiras em verdades.

Para mim, isto não é surpresa. Trata-se de algo corriqueiro durante os 10 anos do governo do PT e de mais de 30 anos desde a fundação do Partido dos Trabalhadores.

Por outro lado, fatos que podem causar impacto positivo são cuidadosamente postos fora do noticiário, das emissoras de rádio e TV e dos grandes jornais.

A queda da taxa de juros e do spread bancário; a redução da conta de energia elétrica que vai beneficiar milhões de brasileiros e facilitar a vida das grandes, médias e pequenas empresas; a melhoria significativa na vida da população mais pobre; a valorização dos salários; o contingente de jovens que alcançaram o ensino superior; a consolidação do Bolsa Família e vários outros benefícios são escandalosamente omitidos pelos meios de comunicação.

Tudo isso no sentido de desgastar o PT e o ex-presidente Lula, no intuito de em algum momento chegar à presidenta Dilma Rousseff, visando derrotar a todos nós na disputa eleitoral de 2014.

Não tem dado muito certo. Pesquisa CNI/IBOPE divulgada nesta sexta-feira (14) coloca a popularidade da presidenta Dilma e de seu governo em patamares significativamente sustentáveis.

Lógico que temos pela frente uma longa e difícil batalha, uma vez que os órgãos de comunicação no Brasil se transformaram no comitê central da direita brasileira, dando a pauta diária para os partidos formais e alimentando o rancor dos segmentos mais reacionários da política e da sociedade.

Pensavam eles que Lula, deixando a Presidência da República, seria eliminado do cenário político nacional. Não foi o que aconteceu. Pensaram também que a presidenta Dilma não teria condições políticas de governabilidade por nunca ter disputado uma eleição.

Perderam feio!!!

Entre outros exemplos, apostavam que o PT e o governo, por conta da propaganda facciosa nestes quatro meses de julgamento da AP 470 no STF – “mensalão” para a direita; golpe para mim –, sairíamos derrotados da eleição.

Perderam outra vez!!!

Aumentamos em quantidade e qualidade o número de prefeituras e de vereadores. E ganhamos a eleição na maior capital da América Latina, a cidade de São Paulo.

Eis aí mais um motivo para a frustração e a irritação desses segmentos.

Estamos cientes e nos preparando para o que virá. Sabemos que a disputa será dura, mas temos a convicção de que este não será o primeiro e nem o ultimo desafio, uma vez que setores minoritários, mas muito poderosos, não nos engolem.

Não nos engolem nem nos engolirão nunca! Porque não conseguirão nos engolir!

Conclamo os filiados, militantes, simpatizantes do projeto do PT, para com todas nossas forças defender o partido, o ex-presidente Lula e o governo das práticas golpistas e irresponsáveis contra o Estado Democrático de Direito, que vêm à tona toda vez que o país procura fortalecer sua democracia.

Desejo a todos um feliz 2013, com muita paz, saúde e liberdade.

Francisco Rocha da Silva (Rochinha)
artigo publicado no site do PT em 16/12/2012
http://www.pt.org.br/noticias/view/artigo_o_rancor_da_velha_midia_naeo_nos_vencera_por_rochinha