sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Dr. Rosinha: Reflexões sobre o estupro coletivo em Queimadas

Neste artigo publicado no Viomundo, o deputado Dr. Rosinha (PT-PR) mostra-se perplexo com a crueldade ocorrida contra 5 mulheres na cidade de Queimadas na Paraíba:

"Voltando de Queimadas para João Pessoa foi perguntado como estava me sentindo. Estava muito triste e me sentia desamparado e incapaz. Triste pelo que tinha ouvido. Desamparado como se sente qualquer pessoa que vive um fato que altera o rumo de sua vida e sabe que daí para frente não será a mesma. Incapaz de agir mesmo sentindo necessidade de fazê-lo.
Absorto pensava: como pode esse tipo de crime acontecer? O que fazer para que isso não ocorra nunca mais em lugar nenhum do mundo? Como fazer do mundo um local sem maldade? Será que existe essa possibilidade? Se existe, como conseguir? Pode ser sonho, mas é o que pensava.
“Como você está se sentindo?” A pergunta pegou-me de supetão e de supetão veio a resposta, num trocadilho. Um trocadilho que correspondia ao meu sentimento naquele momento: como vinha de Queimadas, sem titubear respondi que estava com a alma queimada.
Para alguns cidadãos e algumas cidadãs, o fato que me abalou pode ter passado despercebido ou até, após o conhecimento, ter sido esquecido. Compreensível, pois a violência se tornou cotidiana, corriqueira e banal: os fatos são uns piores que os outros e em sequência. Mas a mim não, continuo chocado, por isso volto ao tema. Já abordei o que aconteceu em Queimadas num artigo (Não teve graça") publicado aqui no Viomundo, mas entendo necessário voltar ao tema.
Escrevi em “Não teve graça” que em Queimadas, município do interior da Paraíba, na noite de 12 de fevereiro de 2012 ocorreu uma “festa de aniversário”. O aniversariante havia pedido como “presente” algumas meninas, e que as mesmas fossem escolhidas “a dedo”. Para que o presente fosse completo não poderia haver alarde e tampouco gritos, por isso foram compradas cordas, panos para confeccionar capuzes, meias e esparadrapos para vedar bocas. Os capuzes eram para cobrir o rosto das convidadas, as cordas para amarrá-las e as meias e esparadrapos para silenciá-las.
Durante a “festa de aniversário” – na verdade um estupro coletivo – duas delas conseguiram reconhecer os “festeiros” criminosos. As duas foram amarradas, vedadas, colocadas na carroceria de um Fiat Strada e levadas como reféns. Na cidade, em frente à Igreja Nossa Senhora da Guia, uma delas conseguiu pular e ali foi baleada e morta. A outra foi encontrada, no dia seguinte, também morta, na carroceria do carro, amarrada, despida e com meias na boca.
Semana passada, dia 13, junto com a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga a violência contra a mulher, fui a Queimadas, Paraíba. Fomos ouvir as vitimas e parentes das vitimas deste hediondo crime. Não só ouvir, mas também prestar a nossa solidariedade e pedir às autoridades paraibanas que os criminosos, já identificados e presos, sejam exemplarmente punidos.
Não sei se há na história do Brasil algum outro crime com as características do que ocorreu em Queimadas. Foi um crime planejado e pela sua violência chocante para qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade humana.
Não consigo compreender como homens são capazes de pensar e executar…
Faltam-me até palavras para classificar o que fizeram. Como são capazes de olhar para uma mulher e ver um objeto, uma coisa para seu uso, abuso e descarte? Como podem olhar para uma mulher e não compreender que ela também tem alma, espírito, coração, sentimento, sonhos, esperanças, desejo de felicidade e que também sofre e sente dor? Sinceramente não compreendo e sinceramente é com tristeza, muita tristeza, que constatei que não consigo perdoar quem assim age.
Ao ouvir o relato das vítimas e de seus familiares é possível sentir o sofrimento de cada um e de cada uma. Não há como ouvir o relato e não se emocionar, chorar, se revoltar e clamar por justiça. Depois de ouvi-lo não sou o mesmo, não consigo olhar o mundo com o mesmo olhar.
Após os encontros com as vítimas, familiares e autoridades (delegada, promotor e juíza), sai de Queimadas chocado e solidário ao sofrimento dessas pessoas. Sai triste, muito triste, confuso e com muitas dúvidas. Sai buscando a razão da vida.
Na volta para João Pessoa, vários pensamentos se confundiam e me confundiam. Passou pela minha cabeça um poema de Mario Quintana: “Da vez primeira em que me assassinaram / Perdi um jeito de sorrir que eu tinha. / Depois, a cada vez que me mataram / Foram levando qualquer coisa minha”.
Em Queimadas, mais uma vez fui assassinado. Em Queimadas perdi um jeito de sorrir. Em Queimadas levaram qualquer coisa minha. Levaram parte da certeza que eu tinha na raça humana. Levaram a certeza e me implantaram dúvidas: é possível acreditar numa espécie cujo macho elabora e executa tamanha barbárie? É possível acreditar numa espécie cujo macho, segundo o Instituto Sangari, assassinou entre 1980 e 2010, portanto em 30 anos, mais de 92 mil mulheres, só no Brasil. Só de 2000 a 2010, segundo o estudo, foram assassinadas 43.700. Portanto, mais de 4.300 mulheres por ano, aproximadamente 12 mulheres por dia, ou seja, uma a cada duas horas. Assassinadas. Não estão sendo contabilizadas as mulheres vítimas de violência física, psicológica e sexual. Nesta contabilidade tampouco estão as vitimas do narcotráfico, que muitas vezes também são vítimas do machismo.
Essa tragédia humana é causada pela relação de gênero, na qual o homem se sente superior e olha a mulher como uma coisa, um objeto seu. A tragédia de Queimadas é mais uma tragédia causada pelo machismo.
Voltei, mas parte de mim ficou em Queimadas, ficou com as vítimas que sobreviveram e seus familiares. Ficou no temor do dia-a-dia, no medo que sentem das famílias dos criminosos (falam pela cidade que o mentor dos crimes tem dinheiro e logo estará solto e de volta). Ficou na indignação de ter que suportar todos os dias nas ruas as gracinhas e as piadas. Ficou no silêncio da cidade que deixou de falar com as vítimas e com suas famílias. Ficou no sofrimento que representa cada canto da casa ou da cidade. Ficou na consternação, no não compreender o que ocorreu e na possibilidade do inconsciente negar. Por tudo isso, não tem como minha alma não estar ferida, queimada".

*Dr. Rosinha, médico com especialização em Pediatria, Saúde Pública e Medicina do Trabalho, é deputado federal (PT-PR).

Mensalão será um julgamento de exceção

Em entrevista para o Valor Econômico, Wanderley Guilherme do Santos critica a forma como está sendo conduzido o julgamento do Mensalão:

"O mensalão não tem nada de emblemático - ao contrário disso, será um julgamento de exceção. Essas são as palavras do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, para quem os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm construído um discurso paralelo ao longo das sessões que destoa da tradição da Corte. "Nunca mais haverá um julgamento em que se fale sobre flexibilização do uso de provas, sobre transferência do ônus da prova aos réus, não importa o que aconteça", afirma.

As inovações citadas por Santos sustentam sua crença na exceção. Presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, autarquia do Ministério da Cultura, o estudioso da democracia e de regimes autoritários é considerado um decano da ciência política no Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ontem, por telefone, ao Valor:

Valor: Na sua avaliação, o julgamento do mensalão no Supremo tem sido técnico ou político?

Wanderley Guilherme dos Santos: Estou seguro de que até agora, do que tenho acompanhado, os votos finais dos ministros tiveram um fundamento técnico. Eles se referem sempre a pontos do Código Penal, que explicitam quais sejam, e dão as razões pelas quais as evidências apresentadas justificam aquela votação. Comentários paralelos, entretanto, raramente têm tido a ver com esses votos. Alguns ministros têm feito comentários que não têm nenhuma pertinência com o que vem sendo julgado. Temo que isso seja uma preparação para julgamentos e votos que não sejam tão bem fundamentados legalmente, mas sim baseados nas premissas que os juízos paralelos vêm cristalizando no cérebro das pessoas que assistem. Temo que uma condenação dos principais líderes do PT, e do PT como partido, acabe tendo por fundamento não evidências apropriadas, mas o discurso paralelo que vem sendo construído.

Valor: O sr. está falando do uso da teoria do domínio do fato, usada para atribuir responsabilidade penal a um réu que pertence a um grupo criminoso, mas que, por ocupar função hierarquicamente superior, não é o mesmo sujeito que pratica o ato criminoso?

Wanderley Guilherme: Entre outras coisas. Se retomarmos a primeira sessão, quando os ministros estavam decidindo se deveriam fatiar ou não o julgamento, Gilmar Mendes fez uma declaração que muito me assustou. Ele disse que "o julgamento [do processo do mensalão no Supremo] desmistifica a lenda urbana de que prerrogativa de foro é sinônimo de impunidade" e que isso tinha que acabar. Fiquei assustado. O que é isso? Ele já estava dizendo que, para efeito de demonstrar à opinião pública que ela tem um preconceito sem fundamento em relação ao Supremo, o tribunal vai condenar. Ao longo do processo o ministro Luiz Fux, ao julgar alguns dos réus do processo por gestão temerária, disse que era uma gestão horrorosa. Não existe gestão horrorosa, isso é um comentário que se faz em campo de futebol, não é um comentário de um ministro da Suprema Corte.

Valor: O sr. acha que os ministros estão dizendo, nas entrelinhas do julgamento, que o tribunal condenará alguns réus sem fundamentar essas condenações em provas concretas?

Wanderley Guilherme: Exato, são comentários que às vezes não têm a ver com o que está sendo julgado, mas na hora do voto os ministros votam de acordo com a legislação. É uma espécie de vale-tudo. Esse é meu temor. O que os ministros expuseram até agora é a intimidade do caixa 2 de campanhas eleitorais e o que esse caixa 2 provoca. A questão fundamental é: por que existe o caixa 2? Isso eles se recusam a discutir, como se o que eles estão julgando não fosse algo comum - que pode variar em magnitude, mas que está acontecendo agora, não tenho a menor dúvida. Como se o que eles estão julgando fosse alguma coisa inédita e peculiar, algum projeto maligno.

Valor: O Supremo está destoando da forma como costuma julgar outros processos?

Wanderley Guilherme: Sem dúvida. Esse Supremo tem sido socialmente muito avançado, bastante modernizador, mas ele é politicamente pré-democrático. Primeiro porque os ministros têm uma ojeriza em relação à política profissional, como se eles não fizessem política - fazem o tempo todo. Mas em relação à política profissional eles têm um certo desprezo aristocrático. E quando na política brasileira irrompeu a política popular de mobilização, eles não aceitaram, dão a isso um significado de decadência, degradação.

Valor: Ainda que o caixa 2 de campanhas eleitorais tenha sido o que motivou os demais crimes apontados pela acusação, em nenhum momento o Supremo coloca em julgamento o sistema eleitoral brasileiro?

Wanderley Guilherme: Nossa legislação eleitoral é nebulosa, confusa, inconsistente. Isso está nos jornais todos os dias, cada eleição é um momento de elevado índice de litígios na sociedade. Cada zona eleitoral decide de forma diferente a propósito dos mesmos fatos. É uma legislação que provoca conflitos, que traz uma imprevisibilidade jurídica enorme para o sistema brasileiro. Mas os ministros não querem aceitar isso, não querem aceitar que a Justiça eleitoral é a causadora dos problemas políticos no país.

Valor: Mas na atual fase do julgamento, que envolve o núcleo político, os ministros do Supremo estão citando as coligações entre o PT e outros partidos de diferentes posições ideológicas...

Wanderley Guilherme: Eles acham que não existem coligações entre partidos de orientações diferentes, acham isso uma aberração brasileira, mas não conhecem a democracia. Por isso que eu digo que é pré-democrático, eles têm uma ideia de como a democracia funciona no mundo inteiramente que é inteiramente sem fundamento, acham que a democracia é puramente ideológica. Os sistemas de representação proporcional são governados por coalizões das mais variadas. Não tem nada de criminoso nisso. Mas os ministros consideram que, para haver coligações dessa natureza, só pode haver uma explicação criminosa no Código Penal. Isso é um preconceito.

Valor: Se o Supremo condenar os réus do núcleo político sem fundamentar suas decisões em provas de que houve crimes, mas o fazendo apenas porque partidos de diferentes vertentes de pensamento se coligaram, isso não comprometeria várias instituições brasileiras, a começar pelo próprio sistema político?

Wanderley Guilherme: Comprometeria se esse julgamento fosse emblemático, como sugerem. Na minha opinião, dependendo do final do julgamento, acho que nunca mais vai acontecer. Até os juristas estão espantados com a quantidade de inovações que esse julgamento está propiciando, em vários outros pontos além da teoria do domínio do fato. Nunca vi um julgamento que inovasse em tantas coisas ao mesmo tempo. Duvido que um julgamento como esse aconteça de novo em relação a qualquer outro episódio semelhante.

Valor: O que se tem dito é que a Justiça brasileira vai, enfim, levar políticos corruptos para a cadeia. O sr. está dizendo que isso vai acontecer apenas desta vez?

Wanderley Guilherme: Estão considerando esse julgamento como um julgamento emblemático, mas é justamente o oposto, é um julgamento de exceção. Isso jamais vai acontecer de novo, nunca mais haverá um julgamento em que se fale sobre flexibilização do uso de provas, sobre transferência do ônus da prova aos réus, não importa o que aconteça. Todo mundo pode ficar tranquilo porque não vai acontecer de novo, é um julgamento de exceção.

Valor: Um julgamento de exceção para julgar um partido?

Wanderley Guilherme: Exatamente. O Supremo tem sido socialmente avançado e moderno e é competente, sem dúvida nenhuma, mas é politicamente pré-democrático. Está reagindo a uma circunstância que todos conhecem, que não é única, mas porque se trata de um partido de raízes populares. Está reagindo à democracia em ação - claro que naqueles aspectos em que a democracia é vulnerável, como a corrupção. Mas é um aspecto que não decorre do fato de o partido ser popular, mas da legislação eleitoral, feita pelo Legislativo e pelo Judiciário. Eles são a causa eficiente da face negativa da competição democrática.

Valor: No julgamento da hipótese de compra de votos no Congresso, não discute o próprio sistema político que permite a troca de cargos por apoio político ou a existência de alianças regionais, por exemplo?

Wanderley Guilherme: A votação da reforma tributária não foi unânime, mas vários votos do PSDB e do DEM foram iguais aos dos governistas. Na reforma previdenciária, o PSDB votou unanimemente junto com o governo, na época o PFL também votou quase unanimemente. Isso aconteceu na terça-feira, quando todos os partidos votaram com o governo no Código Florestal - o PT foi o partido com mais votos contrários. É um erro de análise inaceitável pegar a votação de um partido e dizer que o voto foi comprado. Isso é um absurdo. E não é só isso. A legislação é inconsistente no que diz respeito a coligações. Ela favorece a coligação partidária de qualquer número de partidos - todos, se quiserem, podem formar uma coligação eleitoral só. Porém, a lei proíbe que partidos que têm maior capacidade de mobilização financeira transfiram, à luz do dia e por contabilidade clara, recursos para partidos com menor capacidade de mobilização. Então você induz a criação de coligações, mas proíbe o funcionamento delas. Isso favorece o caixa 2, entre outras coisas. Todos os países com eleições proporcionais permitem coligações, do contrário não há governo possível. A coligação entre partidos que não têm a mesma orientação ideológica não é crime.

Valor: Desde o início do julgamento os ministros do Supremo apontam a inexistência de provas técnicas contra a antiga cúpula do PT, afirmando que as provas existentes são basicamente testemunhais

Wanderley Guilherme: O ministro Joaquim Barbosa, em uma de suas inovações, declarou, fora dos autos, que ia desconsiderar vários depoimentos dados em relação ao PT e a alguns dos acusados porque haviam sido emitidos por amigos, colegas de parlamento, mas considerou outros depoimentos. A lei não diz isso, não há fundamento disso em lei. Um ministro diz que vai desconsiderar depoimentos porque são de pessoas conhecidas como amigos, dos réus, mas pinça outros, e ninguém na Corte considera isso uma aberração? Parece-me que o julgamento terminará por ser um julgamento de exceção.

Valor: Isso significa que a jurisprudência que vem sendo criada no caso do mensalão será revertida após o julgamento?

Wanderley Guilherme: Espero que não, porque realmente se isso acontecer vai ser uma página inglória da nossa história"
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Valor Econômico - 21/09/2012

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O antijornalismo e o vale-tudo de Veja a serviço dos tucanos

O sociológo Marcos Coimbra, em artigo publicado no Correio Braziliense, desqualifica a tentativa da revista Veja de envolver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o publicitário Marcos Valério, um dos principais acusados na Ação Penal 470, em julgamento no Supremo Tribunal Federal.  Para ele, a única razão de ser da "matéria" é a tentativa de ajudar a candidatura tucana de José Serra à prefeitura de São Paulo. Aproveita para dar uma estocada na publicação da editora Abril,  uma "revista, que se dedica apenas ao combate ideológico e que se desobriga, por essa razão, de honrar as regras do jornalismo. Para ela, vale tudo. " Leia a íntegra do artigo, intitulado  "Revelações e Eleições".

"O mais rumoroso evento político da semana passada, a publicação pela revista Veja de uma matéria contendo algumas declarações de Marcos Valério e muitas ilações a respeito do que ainda teria a dizer sobre o "mensalão", deve ser compreendido em função do momento que vivemos.
No front jurídico imediato, não tem significado. Quem entende do processo que corre no Supremo Tribunal Federal afirma que os votos dos ministros estão escritos e não mudariam porque um dos réus disse isso ou aquilo.
Nem se a questão fosse suscitada por um veículo com credibilidade. Não é o caso dessa revista, que se dedica apenas ao combate ideológico e que se desobriga, por essa razão, de honrar as regras do jornalismo. Para ela, vale tudo.
Não cabe especular sobre o que teria motivado Valério a falar — o que quer que tenha dito. Desinformado é que não está, considerando a qualidade dos advogados com que conta. Ele sabe que, a essa altura do processo, lançar suspeitas sobre Lula ou outras pessoas só aprofunda seus problemas.
Estamos entrando na hora decisiva do julgamento, quando a "fatia" política será avaliada pelos ministros. É agora que a suposição da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o pretenso esquema de compra de votos de parlamentares — que teria existido entre 2004 e 2005, para aprovar medidas de interesse do governo — começará a ser discutida.
Desde a CPI, essa é a parte mais fantasiosa e frágil das denúncias. Por mais que alguns deputados oposicionistas tivessem tentado ligar pagamentos recebidos por partidos e parlamentares a votações específicas, nenhuma foi identificada com clareza. A completa falta de sentido de o governo pagar integrantes de sua bancada mais fiel para que votassem assim ou assado apenas ressalta a insipiência da hipótese.
Quanto à PGR, ela não conseguiu avançar um milímetro na demonstração dessa vinculação. Que benefício teria agora Valério estabelecendo-a, ainda que somente com base em declarações não substanciadas? Justo quando serão julgados os políticos acusados? O que ganharia confessando ser parte de uma quadrilha que cometeu um crime grave? Boicotar o trabalho da defesa? E a revista? O que ganha publicando a "entrevista" agora?
No tocante ao julgamento, nada. O ambiente de pressão sobre os juízes está construído e a matéria não aumenta o risco que correm de ser achincalhados se votarem em desacordo com o que ela deseja.
Isso, eles já entenderam.
Ou seja: para Valério e a revista, dentro da história do julgamento do "mensalão", ela é inútil (o que não quer dizer que não possa ter relevância nas guerras de longo prazo em que estão engajados — ele, tentando reduzir as provações que o aguardam, ela, na luta contra o "lulopetismo".
A matéria tem outra razão de ser.
Quem mora fora de São Paulo não entende a importância que a eleição de prefeito assume para quem faz política na cidade. Acham que é fundamental para o Brasil. Quem não é "serrista" não compreende a dor de ver seu preferido prestes a sofrer uma derrota humilhante. Se agarrando à tênue hipótese de derrotar Fernando Haddad e receber o voto petista para enfrentar Celso Russomano.
Chance remota? Pouca possibilidade? Não importa. O que puderem fazer para que ele ultrapasse Haddad farão. Não é difícil ver as ligações. José Serra traz o mensalão para sua propaganda eleitoral, na hora em que falham os velhos argumentos ("o mais preparado", "o líder nas pesquisas" etc.).
Na semana seguinte, a revista faz matéria bombástica, com capa pronta para a televisão. Que coincidência feliz. Que acaso extraordinário!
Vai dar certo? Pouco provável. Mas é o que têm."

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do instituto Vox Populi

(artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, edição do dia 19 de setembro de 2012)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Por que eles têm medo do Lula?

No texto que se segue, publicado pela Carta Maior, Emir Sader traça um histórico para demonstrar os motivos pelos quais a direita e o seu séquito têm medo de Lula:

"Lula virou o diabo para a direita brasileira, comandada por seu partido – a mídia privada. Pelo que ele representa e por tê-los derrotado três vezes sucessivas nas eleições presidenciais, por se manter como o maior líder popular do Brasil, apesar dos ataques e manipulações de todo tipo que os donos da mídia – que não foram eleitos por ninguém para querer falar em nome do país – não param de maquinar contra ele.

Primeiro, ele causou medo quando surgiu como líder operário, que trazia para a luta política aos trabalhadores, reprimidos e super-explorados pela ditadura durante mais de uma década e o pânico que isso causava em um empresariado já acostumado ao arrocho salarial e à intervenção nos sindicatos.Medo de que essa política que alimentava os superlucros das grandes empresas privadas nacionais e estrangeiras – o santo do chamado “milagre econômico” -, terminasse e, com ela, a possibilidade de seguirem lucrando tanto às custas da super-exploração dos trabalhadores.

Medo também de que isso tirasse as bases de sustentação da ditadura – além das outras bases, as baionetas e o terror – e eles tivessem que voltar às situações de incerteza relativa dos regimes eleitorais.

Medo que foi se acalmando conforme, na transição do fim do seu regime de ditadura militar para o restabelecimento da democracia liberal, triunfavam os conservadores. Derrotada a campanha das diretas, o Colégio Eleitoral consagrou um novo pacto de elite no Brasil, em que se misturavam o velho e o novo, promiscuamente na aliança PMDB-PFL, para dar nascimento a uma democracia que não estendia a democracia às profundas estruturas econômicas, sociais e midiáticas do país.

Sempre havia o medo de que Lula catalizasse os descontentamentos que não deixaram de existir com o fim da ditadura, porque a questão social continuava a arder no país mais desigual do continente mais desigual do mundo. Mas os processos eleitorais pareciam permitir que as elites tradicionais retomassem o controle da vida política brasileira.

Aí veio o novo medo, que chegou a pânico, quando Lula chegou ao segundo turno contra o seu novo queridinho, Collor, o filhote da ditadura. E foi necessário usar todo o peso da manipulação midiática para evitar que a força popular levasse Lula à presidencia do Brasil, da ameaça de debandada geral dos empresários se Lula ganhasse, à edição forjada de debate, para tentar evitar a vitória popular.

O fracasso do Collor levou a que Roberto Marinho confessasse que eles já não elegeriam um presidente deles, teriam que buscar alguém no outro campo, para fazê-lo seu representante. Se tratava de usar de tudo para evitar que o Lula ganhasse. Foram buscar ao FHC, que se prestou a esse papel e parecia se erigir em antidoto permanente contra o Lula, a quem derrotou duas vezes.

Como, porém, não conseguem resolver os problemas do país, mas apenas adiá-los – como fizeram com o Plano Real -, o fantasma voltou, com o governo FHC também fracassando. Tentaram alternativas – Roseana Sarney, Ciro Gomes, Serra -, mas não houve jeito.

Trataram de criar o pânico sobre a possibilidade da vitória do Lula, com ataque especulativo, com a transformação do chamado “risco Brasil” para “risco Lula”, mas não houve jeito.

Alivio, quando acreditaram que a postura moderada do Lula ao assumir a presidência significaria sua rendição à politica econômica de FHC, ao “pensamento único”, ao Consenso de Washington. Por um lado, saudavam essa postura do Lula, por outro incentivavam os setores que denunciavam uma “traição” do Lula, para buscar enfraquecer sua liderança popular. No fundo acreditavam que Lula demoraria pouco no governo, capitularia e perderia liderança popular ou colocaria suas propostas em prática e o país se tornaria ingovernável.

Quando se deram conta que Lula se consolidava, tentaram o golpe em 2005, valendo-se de acusações multiplicadas pela maior operação de marketing político que o pais ja conheceu – desde a ofensiva contra o Getúlio, em 1954 -, buscando derrubar o Lula e sepultar por muito tempo a possibilidade de um governo de esquerda no Brasil. Colocavam em prática o que um ministro da ditadura tinha dito: Um dia o PT vai ganhar, vai fracassar e aí vamos poder governar o país sem pressão.”

Chegaram a cogitar um impeachment, mas tiveram medo do Lula, da sua capacidade de mobilização popular contra eles. Recuaram e adotaram a tática de sangrar o governo, cercando-o no Parlamento e através da mídia, até que, inviabilizado, fosse derrotado nas eleições de 2006.

Fracassaram uma vez mais, quando o Lula convocou as mobilizações populares contra os esquemas golpistas, ao mesmo tempo que a centralidade das políticas sociais – eixo do governo Lula, que a direita não enxergava, ou subestimava e tratava de esconder – começava a dar seus frutos. Como resultado, Lula triunfou na eleições de 2006, ao contrário do que a direita programava, impondo uma nova derrota grave às elites tradicionais.

O medo passou a ser que o Brasil mudasse muito, tirando suas bases de apoio tradicionais – a começar por seus feudos políticos no nordeste -, permitindo que o Lula elegesse sua sucessora. Se refugiaram no “favoritismo” do Serra nas pesquisas – confiando, uma vez mais, na certeza do Ibope de que o Lula não elegeria sua sucessora.

Foram de novo derrotados. Acumulam derrota atrás de derrota e identificam no Lula seu grande inimigo. Ainda mais que nos últimos anos do seu segundo mandato e na campanha eleitoral, Lula identificou e apontou claramente o papel das elites tradicionais, com afirmações como a de que ele demonstrou “que se pode governar o Brasil, sem almoçar e jantar com os donos de jornal”. Quando disse que “não haverá democracia no Brasil, enquanto os políticos tiverem medo da mídia”, entre outras afirmações.

Quando, depois de seminário que trouxe experiências de regulações democráticas da mídia em varias partes insuspeitas do mundo, elaborou uma proposta de lei de marco regulatório para a mídia, que democratize a formação da opinião pública, tirando o monopólio do restrito número de famílias e empresas que controlam o setor de forma antidemocrática.

Além de tudo, Lula representa para eles o sucesso de um presidente que se tornou o líder político mais popular da história do Brasil, não proveniente dos setores tradicionais, mas um operário proveniente do nordeste, que se tornou líder sindical de base desafiando a ditadura, que perdeu um dedo na máquina – trazendo no próprio corpo inscrita a sua origem e as condições de trabalho dos operários brasileiros.

Enquanto o queridinho da direita partidária e midiática brasileira, FHC, fracassou, Lula teve êxito em todos os campos – econômico, social, cultural, de políticas internacional -, elevando a auto-estima dos brasileiros e do povo brasileiro. Lula resgatou o papel do Estado – reduzido à sua mínima expressão com Collor e FHC – para um instrumento de indução do crescimento econômico e de garantia das políticas sociais. Derrotou a proposta norteamericana da Alca – fazer a América Latina uma imensa área de livre comércio, subordinada ao interesses dos EUA -, para priorizar os projetos de integração regional e os intercâmbios com o Sul do mundo.

Lula passou a representar o Brasil, a América Latina e o Sul do mundo, na luta contra a fome, contra a guerra, contra o monopólio de poder das nações centrais do sistema. Lula mostrou que é possível diminuir a desigualdade e a pobreza, terminar com a miséria no Brasil, ao contrário do que era dito e feito pelos governos tradicionais.

Lula saiu do governo com praticamente toda a mídia tradicional contra ele, mas com mais de 80% de apoio e apenas 3% de rejeição. Elegeu sua sucessora contra o “favoritismo” do candidato da direita.

Aí acreditaram que poderiam neutralizá-lo, elogiando a Dilma como contraponto a ele, até que se rendem que não conseguem promover conflitos entre eles. Temem o retorno do Lula como presidente, mas principalmente o temem como líder político, como quem melhor vocaliza os grandes temas nacionais, apontando para a direita como obstáculo para a democratização do Brasil.

Lula representa a esquerda realmente existente no Brasil, com liderança nacional, latino-americana e mundial. Lula representa o resgate da questão social no Brasil, promovendo o acesso a bens fundamentais da maioria da população, incorporando definitivamente os pobres e o mercado interno de consumo popular à vida do país.

Lula representa o líder que não foi cooptado pela direita, pela mídia, pelas nações imperiais. Por tudo isso, eles tem medo do Lula. Por tudo isso querem tentam desgastar sua imagem. Por isso 80% das referências ao Lula na mídia são negativas. Mas 69,8% dos brasileiros dizem que gostariam que ele volte a ser presidente do Brasil. Por isso eles tem tanto medo do Lula"
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Emir Sader (Carta Maior)