sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

É só um começo

Tereza Campello

Por muito tempo o Brasil viveu uma falsa dicotomia entre desenvolvimento econômico e políticas de inclusão. Esse mito pairou sobre a sociedade brasileira durante períodos em que o país cresceu, mas não garantiu a sustentabilidade social desse crescimento, justamente porque deu as costas a uma parcela significativa da população.

Na última década, porém, um conjunto vigoroso de políticas sociais mostrou que outro caminho era possível. Um marco nesse novo direcionamento foi o Bolsa Família. Criado em 2003, no Governo Lula, o programa representou a primeira grande incursão do país em políticas sociais centradas de fato na pobreza. Hoje, ele é âncora do Plano Brasil Sem Miséria. Mas, para encarar esse desafio, precisou se reinventar.

Após anos trabalhando com valores fixos, em 2012 o programa lançou o benefício do Brasil Carinhoso, voltado a famílias com crianças até 15 anos. O pagamento varia de acordo com a severidade da pobreza de cada família, o que modificou a lógica de funcionamento e tornou a gestão do programa ainda mais complexa.

O esforço valeu a pena. Ontem, a presidente Dilma assinou medida que, a partir de março, estende o mesmo tipo de benefício a todas as famílias do Bolsa Família em situação de extrema pobreza, garantindo renda suficiente para que cada pessoa ultrapasse o patamar de 70 reais mensais. Assim, o Bolsa Família chega aos seus dez anos com uma enorme conquista: o fim a miséria, do ponto de vista da renda, no universo dos seus beneficiários.

Mas o impacto definitivo e estrutural do Bolsa Família vai além da renda. Diz respeito a uma geração inteira que, por conta das condicionalidades do programa, quebra o circulo de ferro da miséria pela via da educação. São 16 milhões de crianças e adolescentes que, com frequência escolar acompanhada pelo Bolsa Família, apresentam evasão menor e desempenho equiparado à média dos estudantes do ensino público brasileiro. Isso os conduz a um futuro diferente da vida de exclusão de seus pais e avós.

Superando o preconceito e limites, 266 mil trabalhadores de baixa escolaridade que querem melhorar de vida estão de volta à sala de aula nos cursos de qualificação profissional do Pronatec Brasil Sem Miséria.

Até 2014 chegaremos a um milhão de matrículas nesses cursos e a 253 mil famílias de agricultores extremamente pobres atendidas com assistência técnica, insumos e recursos de fomento. Queremos também igualar o acesso dos brasileiros mais pobres aos serviços públicos com a média nacional, especialmente no acesso à creche.

Em pouco mais de um ano e meio, o Brasil foi capaz de retirar 22 milhões de pessoas da miséria. O fim da miséria para nós é só um começo.   Tereza Campello é ministra do desenvolvimento social e combate à fome (texto originalmente publicado no jornal O Globo em 22/02/13

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Medidas para desonerar o ensino superior

Cândido Vaccarezza

No início deste mês, apresentei Emenda Aditiva à Medida Provisória 601/2012 com o objetivo de estender às universidades privadas a desoneração da folha de pagamento. Tomei essa iniciativa tendo em vista os bons resultados obtidos pelos setores produtivos que foram beneficiados pelo Reintegra (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras) e o fato de o governo federal estar ampliando o benefício para outros setores da economia.

Esta emenda é um passo para eximir totalmente de impostos o ensino no Brasil. Ela visa desonerar a folha de pagamento das entidades mantenedoras de instituições privadas de ensino superior, com ou sem finalidade lucrativa e não beneficente de assistência social, objetivando aumentar investimentos em qualidade, tais como melhoria da infraestrutura, atualização do acervo bibliográfico, contratação e qualificação de professores, investimento em pesquisa e apoio à iniciação científica, expansão de oferta de vagas e de inclusão social.

Todos nós sabemos que o sistema educacional brasileiro seleciona as vagas das universidades públicas para os alunos mais ricos, numa lógica perversa.Com isso, o Brasil construiu uma grande estrutura universitária privada que hoje é responsável pela formação de 80% dos alunos do país.Em2011, foram matriculados 4,15 milhões de alunos no ensino presencial e 810 mil no ensino à distância.A rede privada foi fundamental para acolher o projeto iniciado no governo Lula denominado de ProUni, que tem hoje 162.329 alunos bolsistas, mas, desde 2007, já atendeu mais de 1 milhão de estudantes.

Essa estrutura de ensino está submetida a uma elevada carga tributária, o que aumenta significativamente as mensalidades. Os impostos representam 30% da mensalidade escolar. Senão, vejamos: PIS (0,65%) e Cofins (3%) absorvem 3,65% da receita bruta das escolas. A Cota Patronal da Previdência (INSS) 20% da folha de pagamento. O Sistema S leva outros 1,5% para o Sesc, Sebrae 0,3% e Incra, 0,2%. O seguro acidente de trabalho mais 1%; o Salário Educação outros 2,5%. O Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) 15% e a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) leva outros 9% sobre o lucro da mantenedora. E ainda tem o imposto municipal (ISS) que vai de 2% a 5% sobre o faturamento, conforme o município.

Com a emenda que apresentei, as universidades passam a pagar contribuição previdenciária de 1% sobre o faturamento, quando hoje pagam20% sobre o salário de cada professor, cada funcionário. Os cálculos apontam para uma margem de 5% a 8,5% do faturamento bruto para que as universidades obtenham novamente a capacidade de investimento.

O projeto prevê que a desoneração fique atrelada aos investimentos, havendo um acompanhamento para evitar desvios na destinação dos recursos. O Ministério da Educação tem mecanismos para acompanhar e conduzir as universidades a transformarem esta desoneração em investimentos em novas tecnologias de ensino, laboratórios, melhor qualificação do corpo docente e outras medidas com maiores ganhos para a educação no Brasil.

Cândido Vaccarezza é Deputado federal pelo PT de São Paulo

Contra a democracia

Vladimir Safatle

Um dos pilares do paradigma liberal é a crença de que livre-mercado e democracia são termos que nunca podem entrar em contradição.

Segundo essa vulgata, por meio do livre-mercado garante-se a liberdade individual de empreender e defender seus próprios interesses.

Neste mundo, ser livre equivaleria a poder estabelecer contratos de maneira "não coercitiva", seja para vender a força de trabalho, seja para alugar o útero, seja para contrair matrimônio, seja para relacionar-se com o Estado por meio dos impostos ou para tomar empréstimos no banco. Diga-se de passagem, todas essas ações são, para os liberais, pensadas a partir de uma mesma lógica unidimensional.

Nesse contexto, "democracia" só pode significar "o regime que não interfere nos contratos firmados por pessoas livres". Quanto menos interferência estatal, mais liberdade; é o que diz o velho mantra. No entanto, foi esse mantra que levou o mundo a uma das piores crises do capitalismo. Por isso, sair da crise só será possível à condição de pararmos de nos deixar enfeitiçar por ele.

Se uma ideia ruiu nos últimos anos, foi exatamente a que vê, no livre-mercado, o modelo de uma sociedade civil livre. Deixado a si mesmo, o mercado é o regime que extorque contratos dos que não têm força social para afirmar sua liberdade, dos que não têm escolha real por estarem submetidos ao risco constante da precariedade e da vulnerabilidade. Por isso, o velho Hegel dizia que a sociedade civil nunca é suficientemente rica para acabar com a pobreza.

Tal extorsão mostra, nos dias de hoje, sua face mais clara quando vemos bancos e seus "experts" da grande imprensa mundial aterrorizarem populações com a ameaça do caos econômico, caso suas dívidas não sejam en-campadas pelos Estados nacionais e transformadas em dívidas soberanas.

Ao aceitarem tal ameaça, os Estados destroem o sistema de segurança social que permitia um mínimo de liberdade à população diante da espoliação pelos economicamente mais fortes. Mas ao fazerem isso, eles destroem as verdadeiras bases da democracia.

Ou seja, a crise que o mundo vive hoje é a prova maior de que livre-mercado e democracia não andam necessariamente juntos, que há situações nas quais o primeiro pode destruir o segundo.

Com sua influência desproporcional, o sistema financeiro é, atualmente, a maior ameaça à democracia ocidental. Salvar tal sistema nos levará a uma nova forma de sociedade totalitária: a sociedade da precariedade generalizada.

Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo).
(texto originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo em 19/02/2013)



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Um Brasil sem miséria é possível, sim


Ricardo Berzoini

O ilustre advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST Almir Pazzianotto escreveu, em 22 de janeiro, no Correio Braziliense, sobre a meta do governo Dilma de extirpar a miséria no país. Conhecendo a perspicácia e a inteligência do autor, decidi dialogar com tal artigo, para demonstrar que o desafio, que está em pleno curso, será realizado, como obra do governo e da sociedade brasileira. Almir enuncia que “nada tão simples de prometer, e tão difícil de realizar, quanto a erradicação da miséria”. Verdade. Mas os resultados alcançados nos governos Lula e Dilma mostram que impossível não é. Senão, vejamos.

Em 2011, estavam no Cadastro Único 36 milhões de pessoas que estariam na extrema pobreza, caso sobrevivessem apenas com sua renda familiar. Graças ao Bolsa Família, escaparam dessa condição. Mas 19 milhões continuavam na extrema pobreza, mesmo recebendo o benefício. O lançamento da primeira fase do Brasil Carinhoso, que beneficia famílias com crianças de até 6 anos, permitiu a retirada de 9,1 milhões de pessoas da miséria. Na segunda fase, que alcança crianças e adolescentes de 7 a 15 anos, mais 7,3 milhões de pessoas superaram a linha dos R$ 70 de renda per capita mensal.

No Brasil, em razão da existência de um sistema previdenciário e assistencial que já reduz fortemente a pobreza dos idosos, segundo os dados do IBGE, a miséria estava fortemente concentrada entre crianças e adolescentes. O Brasil Carinhoso está buscando exatamente atingir diretamente essas pessoas. Por isso, em 2011, foi aplicado um reajuste de 45% nos valores repassados para crianças e adolescentes e 1,3 milhão de benefícios foram concedidos com a alteração do limite de três para cinco filhos.

Em 2012, 372 mil benefícios passaram a ser recebidos por gestantes e nutrizes. E o aumento do benefício médio do Bolsa Família resultou em R$ 145 mensais. A Busca Ativa, estratégia desenvolvida para buscar os mais ocultos entre os pobres e miseráveis, permitiu a inclusão de 791 mil novas famílias do Cadastro, superando a própria meta do MDS. O orçamento do Bolsa Família para 2013 é superior a R$ 23 bilhões, crescimento de 60% sobre 2010. Em 2003, o conjunto dos benefícios sociais que foram unificados pelo presidente Lula estava orçado em R$ 570 milhões, valor irrisório em termos de impacto socioeconômico.

Mas a estratégia não para por aí. O objetivo é emancipar as pessoas que recebem a transferência de renda. Por isso, o Pronatec tem a disponibilidade de 1 milhão de matrículas para integrantes do Cadastro Único, até 2014. Até dezembro de 2014, 267 mil pessoas já estavam inscritas, sendo 65,8% mulheres. Além disso, a Inclusão Rural produtiva tem um leque de ações para combater a pobreza rural.

Não por acaso, o coeficiente de Gini caiu de 0,553 para 0,5 em 10 anos. Nesse período, a renda dos 20% mais ricos cresceu 0,7% ao ano. A dos 20% mais pobres, cresceu 5,1% a cada 12 meses. Claro que o crescimento do emprego em geral — e do emprego formal, em especial — contribuiu para esses dados, tanto ou mais que as políticas de desenvolvimento social por transferência de renda. Mas os governos Lula e Dilma sempre defenderam a convergência desses vetores, o crescimento do mercado de trabalho e as políticas de apoio aos tão necessitados que não podem acessar o mercado de trabalho. Dar o peixe, ensinar a pescar — mas também agregar valor ao pescado, atualizando a velha expressão.

Segundo levantamento da consultoria internacional Boston Consulting Group, o Brasil foi o país que melhor aproveitou o crescimento econômico alcançado nos últimos cinco anos para aumentar o padrão de vida e o bem-estar da população, entre 150 países, segundo 51 indicadores coletados em diversas fontes, como Banco Mundial, OCDE e FMI.

Claro que ao observamos cenas cotidianas nas cidades ou no campo, podemos ter a impressão de que nada ou pouco mudou. Mas não é o que dizem os principais estudos de instituições nacionais e internacionais a respeito dessa formidável mudança que começou em 2003. Certamente, o ex-ministro Pazzianotto poderá refletir sobre esses dados e argumentos aqui citados.

Extirpar a miséria, quando aumenta a consciência popular, não é tão fácil de prometer. Quando o povo experimenta uma real e eficaz política, como a implementada pelo MDS, percebe que é possível, sim. E que o caminho está aberto para alcançarmos, no tempo viável, essa meta tão fundamental para termos uma nação respeitável. Um Brasil sem miséria.

Ricardo Berzoini é deputado federal (PT-SP) e presidente da Comissão de Constituição e Justíça da Câmara Federal
(texto originalmente publicado no jornal Correio Brasiliense em 18/02/2013)