terça-feira, 7 de maio de 2013

Declaração de Havana: Foro de São Paulo ressalta importância da unidade das esquerdas e dos partidos progressistas


Na última semana,  dirigentes de partidos de esquerda e progressistas da América Latina e Caribe reuniram-se em Havana, para tratar do XIX Encontro do Foro de São Paulo, que será realizado de 31 de julho a 4 de agosto, na capital paulista. A delegação do PT foi chefiada pelo presidente Rui Falcão e teve a participação, entre outros parlamentares e dirigentes petistas, do líder do partido na Câmara, José Guimarães (CE) (foto). 

Na declaração de Havana, divulgada no dia 30,  o principal recado foi sobre a necessidade  de união das esquerdas e dos partidos progressistas para a continuidade do processo de mudanças que vem sendo implementado nos últimos dez anos na América Latina e no Caribe, com um modelo antagônico ao dos neoliberais.  " Estamos conscientes de que o caminho para chegar tem sido  difícil, cheio de desafios, fracassos, tentativas de desarticulação, mas o interesse pela construção de um mundo melhor  tornou possível a realidade política que caracteriza a América Latina e o Caribe nos últimos dez anos", diz um dos trechos do documento. Leia, abaixo, os principais trechos da  Declaração de Havana, em tradução não oficial:

DECLARAÇÃO DE HAVANA 


O Grupo de Trabalho do Foro de São Paulo, reunido em Havana em 29 e 30 de abril de 2013, realizou um debate sobre a crise mundial do capitalismo e sobre a unidade e a integração da América Latina e do Caribe, e, ao final, aprovou a seguinte declaração:
1. Expressar pleno apoio ao povo venezuelano, ao governo de Nicolás Maduro, ao Partido Socialista Unido da Venezuela e ao Grande Pólo Patriótico (GPP).
 Nossas mais fraternas congratulações pelo êxito da jornada democrática do dia 14 de abril de 2013, quando, mais uma vez, nas urnas, o voto popular e a democracia foram os instrumentos usados pelo povo para decidir o caminho da República Bolivariana da Venezuela.
 A ausência física do comandante Hugo Chávez, a brutal ofensiva midiática, a sabotagem econômica e a pressão imperialista foram enfrentadas pelo GPP com a coragem de quem sabe que de seu sucesso depende em grande parte o futuro da América Latina e Caribe.
 Expressamos o nosso apoio para a continuidade do processo iniciado com a eleição do presidente Hugo Chávez em 1998 ,  agora, com a vitória do companheiro  Nicolás Maduro. Da mesma forma, respaldamos a manutenção do caminho para a defesa das conquistas e o aprofundamento da integração latino-americana e  caribenha, de modo que a Venezuela continue a ser a nação irmã que nos deixa cheios de orgulho.
 2)Do mesmo modo, expressamos nossa solidariedade ao  povo paraguaio e às organizações paraguaias que integram o  Foro de São Paulo.
É nosso dever expressar que, com as eleições realizadas em 21 de abril, as oligarquias paraguaias buscaram legitimar o golpe de Estado de 22 de junho de 2012 e destruir o processo iniciado com a eleição de Fernando Lugo em 20 de abril de 2008.
Em consequência disso, o Foro de São Paulo empreenderá os melhores esforços para apoiar qualquer iniciativa unitária da esquerda paraguaia, em suas diferentes vertentes.
3)Apoio ao Processo de Paz na Colômbia.
Com preocupação, avaliamos a grave situação geopolítica de nossa América, acossada por uma militarização imperial e pela criminalização dos movimentos sociais que impulsionam muitos dos nossos governos, e expressamos nosso apoio a uma imediata solução política para o conflito armado na Colômbia, para que se alcance uma paz com justiça social e  com um novo modelo econômico e social que garanta os direitos humanos, a proteção dos recursos naturais, a soberania e a ampliação da democracia.
Os partidos do  Foro  de São Paulo assumimos o compromisso de apoiar o processo de paz e a acompanhar solidariamente a situação na Colômbia, assim como os movimentos e as lutas sociais desse país, os quais têm o direito de participar do Processo de Paz. Damos também nosso apoio à ação unitária dos partidos e movimentos colombianos neste processo de paz.
 Reafirmamos a convocatória do Grupo de Trabalho do Foro de São Paulo (GT-FSP) para realizar uma nova atividade unitária em junho de 2013, em Bogotá, e nos comprometemos a transformar o tema da negociação para a paz um dos pontos centrais do XIX Encontro do Foro, em julho e agosto deste ano, na cidade de São Paulo.
4) Nestes momentos decisivos, reafirmamos que a unidade na diversidade é um componente fundamental, estratégico e indispensável para as forças progressistas e de esquerda.
 Assistimos, na América Latina e no Caribe, a um momento singular de sua história, com importantes avanços das forças de esquerda e progressistas em vários países do nosso continente. 
Os recentes resultados eleitorais, especialmente dos companheiros Nicolás Maduro e de Rafael Correa (Equador), evidenciam o progresso dos processos de participação cidadã  que chegaram à Nossa América para trabalhar pelo aprofundamento da democracia e para os humildes.
 Estamos conscientes de que o caminho para chegar tem sido  difícil, cheio de desafios, fracassos, tentativas de desarticulação, mas o interesse pela construção de um mundo melhor  tornou possível a realidade política que caracteriza a América Latina e o Caribe nos últimos dez anos.
Por tudo isso, este contexto exige uma necessária reflexão sobre a indispensável  unidade  de todas as forças políticas de esquerda e progressistas da América Latina e Caribe,  nos âmbitos  local, nacional e regional. (...)

(matéria alterada às 23h25 )

OMC: Eleição de Azevêdo é vitória do Brasil e dos países em desenvolvimento



A eleição do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo (na foto, com a presidenta Dilma Rousseff)  para diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), ocorrida nesta terça-feira, representa, antes de mais nada, uma vitória do Brasil e dos países em desenvolvimento ante o neoliberalismo, a bandeira de seu oponente, o mexicano  Herminio Blanco. Essas ponderações estão no artigo abaixo, de Marcelo Zero, assessor internacional da Bancada do PT no Senado: 

"O embaixador brasileiro Roberto Azevedo, um diplomata brilhante com cerca de 20 anos experiência em negociações comerciais, é o novo Diretor–Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), instituição multilateral que há 18 anos dita as regras para os fluxos internacionais de comércio.

Na reta final de uma acirrada e complexa disputa, ele enfrentou o candidato mexicano Herminio Blanco. Tratava-se, assim, em aparência, de uma disputa entre dois latino-americanos. Mas só na aparência.

Herminio Blanco é pós-graduado em Economia pela Universidade de Chicago, a mesma que formou os “Chicago Boys”, responsáveis pela implantação do modelo neoliberal no Chile de Pinochet, ainda na década de 1970. Conservador e ortodoxo, Blanco representava essencialmente, na disputa, os interesses dos EUA, da União Europeia e de outros países mais desenvolvidos, que almejam maior abertura do comércio internacional para produtos manufaturados e serviços, regras mais severas para a proteção da propriedade intelectual e normas mais abrangentes para a proteção dos investidores.

Enfim, querem que os países emergentes abram mais os seus mercados para os produtos em relação aos quais são mais competitivos. Ademais, desejam que no sistema comércio internacional sejam introduzidas normas sobre propriedade intelectual que protejam mais rigidamente os interesses de suas indústrias que dependem de patentes, como as indústrias farmacêuticas, por exemplo, e cláusulas relativas à proteção dos seus investimentos. Em contrapartida, tais países são refratários a uma revisão da grande proteção de seu setor agrícola e da generosa política de subsídios à agricultura, que distorce inteiramente o comércio internacional dessas commodities.   

Por outro lado, a candidatura Azevêdo representava os interesses dos BRICS e da maior parte dos países em desenvolvimento, que almejam um comércio mundial com regras mais equilibradas, voltadas para assegurar um desenvolvimento mais harmônico.

Na realidade, a grande briga na OMC para os países emergentes foi, desde o início, a da busca de regras menos assimétricas no comércio mundial.

Como se sabe, a atual Rodada de Doha, que até não pode ser concluída, deveria ser, fundamentalmente, uma rodada para que os países em desenvolvimento pudessem obter algumas vantagens prometidas na Rodada Uruguai (a rodada que criou a OMC), mas efetivamente nunca alcançadas. Essas promessas não cumpridas dizem respeito, em grande parte, à liberação do comércio agrícola mundial, hoje extremamente protegido por barreiras tarifárias e não-tarifárias, assim como por uma montanha de subsídios nos países desenvolvidos. Contudo, tais países querem condicionar quaisquer concessões na área agrícola, ou em outras áreas de interesse das nações em desenvolvimento, a grandes benefícios em temas que são do seu interesse ofensivo, como serviços, propriedade intelectual, investimentos e bens industrializados.

A agricultura é, de fato, uma pendência da Rodada Uruguai. Naquela ocasião, os países em desenvolvimento reivindicavam basicamente concessões dos países desenvolvidos em relação a dois grandes temas que já estavam previstos na agenda: agricultura e têxteis. A resposta das nações industrializadas foi a de que tais concessões seriam possíveis caso os países em desenvolvimento concordassem com a inclusão nas negociações de novos temas, como propriedade intelectual e serviços. Pois bem, os países desenvolvidos pressionaram fortemente os países em desenvolvimento para que as negociações avançassem nesses novos temas e na redução tarifária de produtos industrializados, mas barraram progressos significativos em agricultura e têxteis. Com efeito, pouco antes do término das negociações, a União Europeia - UE e os EUA fizeram o “acordo de Blair House”, pelo qual cerravam fileiras para defender seus interesses defensivos principais nas negociações: agricultura (UE) e antidumping (EUA).  Os países em desenvolvimento, sem capacidade de articulação, na época, foram derrotados e acabaram aceitando acordos essencialmente assimétricos.

Dessa forma, o resultado final daquela rodada foi um conjunto desequilibrado de compromissos que prejudicou fortemente os países em desenvolvimento. Com efeito, as concessões tarifárias feitas pelos países em desenvolvimento foram, em média, 2,3 vezes maiores do que as ofertadas pelas nações mais ricas. Além disso, os acordos relativos à propriedade intelectual e serviços consolidaram, no plano internacional, os interesses das grandes companhias detentoras de patentes, especialmente na área farmacêutica, e das multinacionais de telecomunicações e do campo financeiro, em detrimento, entre outras, das políticas de saúde pública e monetária dos países em desenvolvimento.

Estudo sobre os impactos da liberalização proporcionada pela Rodada Uruguai demonstra que os efeitos combinados das reduções das barreiras ao comércio em todos os níveis resultaram num ganho econômico de cerca de US$ 75 bilhões, em seus primeiros 5 anos de vigência. Porém, desse total, ao redor de US$ 70 bilhões foram para os países desenvolvidos e US$ 5 bilhões para os NICs (New Industrialized Countries- Coréia, Cingapura, Taiwan, etc.). As nações em desenvolvimento não foram beneficiadas. Pelo contrário, o mesmo estudo mostra que os países em desenvolvimento do hemisfério ocidental tiveram um prejuízo de cerca de US$ 2,5 bilhões.

Agora, na interminável Rodada de Doha, o Brasil vem se empenhando na busca de condições mais equitativas e justas para o comércio internacional e na tentativa de criar regras equilibradas nos acordos da OMC, resolvendo as antigas pendências da Rodada Uruguai.

Na realidade, esse complexo jogo geopolítico entre países desenvolvidos em desenvolvimento na OMC começou a virar com criação do chamado G-20, na reunião de Cancún, em 2003, por muitos definido como um “golpe de mestre” da diplomacia brasileira. A criação desse grupo articulado de países emergentes na OMC, liderados pelo Brasil, mudou a correlação de forças das negociações da OMC criando, dessa forma, as condições político-diplomáticas necessárias para a elaboração de acordos que confiram ênfase à dimensão do desenvolvimento naquele organismo multilateral e corrijam as assimetrias geradas na Rodada Uruguai.

Assim sendo, a vitória de Azevêdo representa, ao mesmo tempo, a culminação desse esforço de melhor representar os interesses dos países emergentes na OMC e a consolidação da liderança do Brasil no cenário mundial.

Em contrapartida, a derrota de Blanco carrega o simbolismo da derrota das teses neoliberais sobre o comércio internacional. Poucos ainda acreditam que a abertura incondicional das economias promove o desenvolvimento harmônico entre países com distintos níveis de desenvolvimento. Essa tese, muito em voga na década de 1990, quando foi criada a OMC, caiu em descrédito acelerado com a crise mundial.

O Brasil e muitos outros países emergentes querem que o comércio mundial funcione para todos, com regras mais simétricas que assegurem a indução do desenvolvimento de todas as nações e a progressiva eliminação da pobreza em todos os países.

O sentido maior da vitória de Azevedo reside nisso.

É um bom recomeço para a OMC."


segunda-feira, 6 de maio de 2013

Soberania popular


Nazareno Fonteles

É comum ouvirmos a afirmação de que ao STF cabe a última palavra sobre a Constituição, ou, ainda, que ela é o que o Supremo diz que é. Na verdade, de acordo com o artigo 1º da Carta, cabe ao povo, diretamente ou por meio de seus representantes eleitos, dar a última palavra. Isso é corroborado por outros trechos da Constituição (artigos 49, inciso XI; 52, inciso X e artigo 103, parágrafo 2º).

A PEC 33, de modo modesto, busca fazer alguns ajustes nesta direção, que é resgatar o valor da soberania popular e da dignidade da lei aprovada pelos representantes legítimos do povo, ameaçadas pela postura ativista e usurpadora do STF.

Para ilustrar a invasão legislativa do STF ou de seus membros destaco a Emenda Constitucional 52 de 2006, da verticalização das eleições; a decisão sobre as vagas de vereadores; a modificação da lei de fidelidade partidária; a aprovação de aborto de anencéfalos; a união homo-afetiva; a emenda dos precatórios; a distribuição dos recursos do petróleo e a invasão no processo legislativo da lei do fundo partidário e da própria PEC 33/11. É uma espécie de enforcamento lento, gradual e progressivo do Congresso e da soberania popular.

No meu entendimento, bem como no do constitucionalista Ives Gandra Martins, expresso em vários artigos, o Congresso pode anular todas as invasões acima citadas, baseando-se no artigo 49, inciso XI, da Constituição, que afirma expressamente que é da competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes.

O Congresso, a rigor, nem precisaria, pois, de nova emenda constitucional, para enfrentar o ativismo judicial legislativo do STF. Precisa, sim, de vontade política e coragem cívica para exercer seu dever constitucional. Mas, então, o que a PEC 33 propõe em essência? Ela aumenta de 6 para 9 a quantidade de votos dos ministros do Supremo necessários para se declarar a inconstitucionalidade de leis ou normas do poder público; e, no caso de emendas constitucionais, o Congresso poderá recorrer à consulta popular.

Agora eu pergunto: em que estas alterações atentam contra a separação e a independência dos Poderes? Absolutamente em nada! O povo é a fonte originária do poder. E, se nem mesmo uma Assembleia Nacional Constituinte pode se sobrepor ao povo, pois ela só se torna legítima pelo voto soberano do povo que elegeu seus constituintes, muito menos o poder nomeado pelos poderes eleitos, no caso o Poder Judiciário.

Por último, em virtude das críticas levianas à que a PEC 33, lembro o que afirmou o professor de Direito Constitucional Alfredo Canellas G. Silva: "Em termos de democracia, a elite minoritária fragilizada pela perda de espaço político-legislativo para a maioria popular elegeu o Poder Judiciário como o instrumento adequado e rápido para a conquista e/ou manutenção da hegemonia perdida ou ameaçada pela voz das urnas".

Nazareno Fonteles é deputado federal PT-PI (Texto publicado pelo jornal O Globo em 06/05/13)