quarta-feira, 30 de março de 2011

Desconstruindo a tese da mídia sobre o falso embate entre Lula e Dilma

No artigo a seguir, o deputado Emiliano José (PT-BA) desconstroi a tese que vem sendo alimentada por setores da mídia sobre uma suposta e "crescente" divergência entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff. O artigo foi publicado no site da revista Carta Capital.

"Antes que fossem concluídos os 30 dias do governo Dilma, estabeleceu-se, em alguns órgãos da mídia hegemônica, um curioso debate em torno da personalidade da presidenta, descoberta agora como uma mulher decidida, capaz, com um estilo próprio, e simultaneamente, o discurso de que ela rompia com o estilo Lula, e que isso seria muito positivo. Deixava sempre trair o profundo preconceito contra Lula, pela comparação entre uma presidenta letrada (que cumprimenta em inglês a secretária Hillary Clinton…) e o outro, com seu português, essa língua desprezível. Não se sabe se seriam esquizofrenias da mídia hegemônica, ou táticas confluentes destinadas a diminuir o extraordinário legado do presidente-operário e a camuflar a continuidade de um mesmo projeto político.

Não custa tentar avaliar essa operação. Durante a campanha, a mídia seguiu a orientação de que Dilma era uma teleguiada, incapaz de pensar por conta própria. No governo, como era inexperiente, seria manipulada por Lula. Bem, ocorre que foi eleita. O que fazer diante da esfinge? Nos primeiros momentos, cobra que ela fale o tanto que Lula falava. Dilma, que tem estilo próprio, ao contrário do que a mídia dizia, seguia adiante, sem subordinar-se às cobranças. Toca o governo com toda firmeza, que é o que importa. Não se rende às expectativas midiáticas, sinal de uma personalidade forte, muito distante da figura de fácil manipulação que se tentou esculpir antes.

As coisas estão no mundo, minha nega, só é preciso entendê-las, é Paulinho da Viola. A mídia não raramente passa batida diante das coisas que estão no mundo. Ou tenta dar a interpretação que lhe interessa sobre a realidade já que de há muito se superou a idéia de um jornalismo objetivo e imparcial por parte de nossa mídia hegemônica. Todo o esforço para separar Lula e Dilma é inútil. Parece óbvio isso. Mas, não para a mídia. Ela prossegue em sua luta para isso. Lula e Dilma, e lá vamos nós com obviedades novamente, são diferentes. Personalidades diversas. E o estilo de um e de outro naturalmente não são os mesmos. O que não se pode ignorar é que Dilma dá continuidade ao projeto político transformador iniciado com a posse de Lula em 2003. Essa é a questão essencial.

Dilma seguirá com as políticas destinadas a superar a miséria no Brasil, tal e qual o fez Lula nos seus oito anos de mandato, coisa que até os adversários reconhecem, e o fazem porque as evidências são impressionantes. Mexeu-se para melhor na vida de mais de 60 milhões de pessoas, aquelas que saíram da miséria absoluta e as que ascenderam à classe média. Agora, a presidenta pretende aprofundar esse caminho, ao situar como principal objetivo de seu mandato combater a miséria absoluta que ainda afeta tantas pessoas no Brasil. Essa é a principal marca de esquerda desse projeto: perseguir a idéia de que é possível construir, pela ação do Estado, um país mais justo, que seja capaz de estabelecer patamares dignos de existência para a maioria da população. O desenvolvimento tem como centro a distribuição de renda, e o crescimento econômico deve estar a serviço disso. Aqui se encontram Dilma e Lula. O resto é procurar pêlo em ovo.

A terrorista cantada em prosa e verso pela mídia durante a campanha virou agora a heroína dos direitos humanos, e nós saudamos a chegada da mídia na defesa dos direitos humanos quando se trata de outros países. Que maravilha, do ponto de vista de pessoas que amargaram tortura e prisão no Brasil, ver a presidenta recebendo as Mães da Praça de Maio na Argentina e se emocionando com elas. E condenando qualquer tipo de violação dos direitos humanos no mundo.

No caso da mídia, seria muito positivo que ela também apoiasse a instalação da Comissão da Verdade para apurar a impressionante violação dos direitos humanos no Brasil durante a ditadura militar. Foi Lula que encaminhou o projeto da Comissão da Verdade, apoiando proposta do então ministro Paulo Vannuchi. As últimas eleições consagraram o projeto político desse novo Brasil que começou em 2003. Dilma está sabendo honrar a confiança que foi depositada nela, uma digna sucessora de Lula.

A mídia não descansará em seus objetivos. O de agora é o de tentar desconstruir Lula, tarefa que, cá pra nós, é pra lá de inútil pela força não apenas do carisma extraordinário do ex-presidente operário, mas pelo significado real das políticas que ele conseguiu levar a cabo, mudando o Brasil pra valer. Com esse objetivo, a desconstrução de Lula, elogia Dilma e destrata Lula. Este, naturalmente, não está nem aí. Sabe que a mídia hegemônica nunca gostou dele, nunca vai gostar. Ele é uma afronta às classes conservadoras, às quais a mídia hegemônica pertence. A existência dele como o mais extraordinário presidente de nossa história afronta a consciência conservadora. Ele seguirá seu caminho de militante político, cujos compromissos políticos sempre estiveram vinculados ao povo brasileiro, às classes trabalhadoras de modo especial, às multidões.

O segundo passo, mesmo que não consiga nada com o primeiro, que seria desconstruir Lula, será o de vir pra cima da presidenta, que ninguém se engane. Nós não temos o direito de nos iludir. As classes conservadoras mais retrógradas não podem aceitar um projeto como este que vem sendo levado a cabo desde 2003, quando Lula assumiu. A mídia hegemônica integra as classes conservadoras, é a intérprete mais fiel delas. Por isso, não cabe a ninguém morder essa isca. As diferenças de estilo entre Lula e Dilma são positivas. E é evidente que uma nova conjuntura, inclusive no plano mundial, reclama medidas diferentes, embora, como óbvio para quem quer enxergar as coisas, dentro de um mesmo projeto global de mudanças do País, sobretudo com a mesma idéia central de acabar com a miséria extrema em nossa terra. O povo brasileiro sabe o quanto recolheu de positivo do governo Lula. E tem consciência de que estamos no mesmo rumo sob a direção da presidenta Dilma. Viva Lula. Viva Dilma."

Emiliano José é jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA)

Reforma política e fortalecimento da democracia no Brasil

"O modelo político e eleitoral do Brasil possui virtudes. Ele conta com um sistema de votação e apuração rápido e eficiente que é motivo de admiração no mundo e que está sendo adotado em outros países. Ele está passando por aperfeiçoamentos. Por exemplo, o sistema de digitalização da identificação do eleitor, está em fase de implantação.

Dispomos também de um sistema de repartição do tempo de rádio e TV, destinado à propaganda eleitoral e partidária, que assegura uma justa distribuição proporcional entre os partidos.

O nosso sistema proporcional para a eleição de deputados é justo e democrático. Ele, quando aplicado com rigor, faz prevalecer o princípio democrático de que a cada eleitor deve corresponder um voto. Quer dizer, ele procura fazer com que um partido que obtém 15% dos votos, obtenha também 15% das cadeiras, como é lógico.

O pacote de abril de 1977, da ditadura, no entanto, ampliou uma deformação neste sistema, que mais tarde foi infelizmente aprofundada pela Constituição 1988, que estabeleceu no se artigo 45 § 1° que cada estado terá no mínimo oito deputados e no máximo 70 deputados. Este dispositivo cria uma distorção. É preciso corrigi-lo, para evitar que as populações de determinados estados continuem super- representadas na Câmara, enquanto as populações de outros estados são sub-representadas.

Nos sistemas distritais não existe simetria entre a proporção de votos obtidos por cada partido e o número de cadeiras conquistadas no parlamento. Em tese, pode ocorrer de um partido, que obteve 49% dos votos em todos os distritos, vir a ser excluído do parlamento, se outro partido obtiver 51% dos votos em todos os distritos.

Na prática, o sistema distrital provoca distorções graves. Dou exemplos do mau funcionamento do distrital, tirados do livro "Sistemas Eleitorais", de Jairo Nicolau, cientista político.

Veja as eleições no Canadá/1993: "O Partido Conservador, que obteve 16,0% dos votos espalhados pelo território, elegeu apenas dois deputados, enquanto o Bloco de Quebec, com votação concentrada (13,5%) elegeu 54 deputados. O Partido da Nova Democracia, com apenas 6,9% dos votos, elegeu nove deputados". Isto mostra que o sistema distrital é incongruente e permite que uma minoria social seja representada por uma maioria parlamentar. Isto não é democracia.

Nicolau cita também as eleições na Austrália/1996: "Os trabalhistas, que receberam 38,8% dos votos, ficaram com 33,1% das cadeiras, enquanto os Liberais, com 38,7% dos votos, obtiveram 51,3% da representação parlamentar." Mais uma minoria social se apropriando de uma maioria parlamentar. Artes de um sistema eleitoral caduco.

Cito agora um resultado da última eleição realizada no Reino Unido, 6 de maio de 2010. O Partido Trabalhista obteve 29,0% dos votos e elegeu 39,69% dos representantes. O Partido Liberal Democrático obteve 23,1% para arrancar apenas 8,76% das cadeiras. Lá este tipo de incongruência perdura desde 1948.

Mas agora há sinais de progresso. Para formar um governo de coalizão com os liberais, os conservadores prometeram uma consulta à população, marcada para maio, sobre a conveniência de mudar o sistema. Vale torcer para que a população britânica adote a proporcionalidade em seu sistema e construa um parlamento plural.

Está provado que o distrital é feio. Se é verdade, como ensina Millôr Fernandes - que quem ama o feio tem objetivos sinistros, devemos nos afastar das fórmulas mágicas embaladas em discursos enganosos, como são os discursos que tentam vender o sistema distrital. O "distritão" é uma mistificação ainda mais grosseira e representa uma ameaça à democracia ainda mais grave que o distrital puro e simples. Voltaremos a tratar do "distritão"."

Por Marina Sant' Anna(foto), deputada federal (PT-GO) , e Athos Pereira, assessor político da Bancada do PT na Câmara Federal.

Artigo publicado no jornal "O Popular" (Goiânia)- 26. 03. 3011