quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Relações de trabalho nos dez anos de governo do PT

 Antônio Augusto de Queiroz

O desafio nos próximos anos, frente à pressão de setor empresarial por diminuição nos custos do trabalho, será melhorar o diálogo da presidenta Dilma com o movimento sindical e manter e ampliar as atuais conquistas, transformar em lei as mudanças no fator previdenciário, eliminar a contribuição dos inativos do serviço público, aprovar a Proposta de Emenda à Constituição que pune o trabalho escravo ou degradante e reduzir a jornada de trabalho, de 44 para 40 horas semanais, entre outras reivindicações históricas dos assalariados.

O balanço dos dez anos do governo do PT na relação com os trabalhadores e suas entidades sindicais, particularmente com as centrais sindicais, é muito positivo, em termos tanto de interlocução quanto de resultados.

Nesse período houve uma importante mudança cultural, com a substituição de um padrão autoritário por um sistema de diálogo, com interlocução institucionalizada. Nos oito anos de governo Lula, pelo fato de o presidente possuir origem sindical, o contato pessoal com ele era frequente, enquanto nos dois anos de Dilma a conversa direta com ela tem sido menos frequente.

Entretanto, do ponto de vista de conquistas e ganhos, os governos Lula e Dilma não foram diferentes. Ambos valorizaram os assalariados, tanto do setor público quanto da iniciativa privada, diferentemente de governos anteriores, cuja preocupação principal era com o desmonte do Estado e a precarização de direitos trabalhistas.

Com foco no desenvolvimento econômico e social do país, nos dez anos de governo de PT no plano federal houve valorização do mercado interno, diminuição do desemprego e expansão do emprego formal (no setor privado e na administração federal), facilidade de crédito e distribuição de renda, tudo isso combinado com democracia política e respeito à classe trabalhadora e a suas entidades.

Nos governos do presidente Lula, várias leis em benefício dos trabalhadores foram sancionadas, além de evitar retrocessos – como a retirada do Congresso do projeto sobre flexibilização da CLT e do veto à chamada “Emenda 3”, que forçava o empregado a se transformar em pessoa jurídica, com a consequente eliminação dos direitos trabalhistas.

Entre as principais conquistas, pode-se mencionar: aumento da folga dos comerciários aos domingos; ampliação da licença maternidade de quatro para seis meses; legalização das centrais sindicais; promulgação da Convenção 151 da OIT; instituição do piso salarial dos professores; reajuste para os servidores públicos; eleição dos representantes dos trabalhadores no conselho de administração das empresas estatais, entre outras.

No governo Dilma, apenas em dois anos, já se pode mencionar alguns avanços, como a política de aumento real do salário mínimo; a correção da tabela do imposto de renda; a certidão negativa de débito trabalhista; a ampliação do aviso prévio de trinta para até noventa dias; o reconhecimento do “teletrabalho”; a criação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec); o Vale-Cultura para o trabalhador de baixa renda; o adicional de periculosidade dos vigilantes; entre outros.

Especificamente em relação aos servidores públicos, com exceção da cobrança dos aposentados e pensionistas, do redutor na pensão e das críticas à Previdência Complementar, não houve retrocessos. Ao contrário, além da reconstrução do aparelho de Estado, com a contratação de muitos servidores, sempre por concurso público, houve o reconhecimento e a valorização desses profissionais do serviço público, cujos salários tiveram ganhos relevantes, a ponto de terem superado os dos trabalhadores do setor privado.

Apesar do recrudescimento sobre o Brasil dos efeitos da crise internacional, o país conseguiu manter e ampliar os empregos formais, além de aumentar a renda dos trabalhadores, ainda que para tanto tivesse que também fazer concessões ao setor empresarial, como a desoneração da folha e incentivos fiscais e monetários.

O desafio nos próximos anos, frente à pressão de setor empresarial por diminuição nos custos do trabalho, será melhorar o diálogo da presidenta Dilma com o movimento sindical e manter e ampliar as atuais conquistas, transformar em lei as mudanças no fator previdenciário, eliminar a contribuição dos inativos do serviço público, aprovar a Proposta de Emenda à Constituição que pune o trabalho escravo ou degradante e reduzir a jornada de trabalho, de 44 para 40 horas semanais, entre outras reivindicações históricas dos assalariados.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap

(Texto originalmente publicado pelo Portal Teoria e debate, da Fundação Perseu Abramo)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Liberdade, igualdade e neutralidade


Alessandro Molon

O ano de 2013 começou. É tempo de novos desafios, de fazer projetos, de realizar mudanças e de consolidar avanços. Diversas possibilidades se apresentam com a chegada de um novo ciclo. Para os mais de 80 milhões de internautas brasileiros, no entanto, o ano começa com um gostinho amargo, com a sensação de que ficou faltando alguma coisa.

Apesar de todos os esforços, o projeto do Marco Civil da Internet, do qual sou relator, não foi votado no plenário da Câmara dos Deputados em 2012. Por quatro vezes ele foi incluído na pauta de votação. Por quatro vezes foi retirado. Viramos mais um ano, portanto, sem a chamada Constituição da Internet.

Muitos argumentam que a Internet não precisa de uma lei, que ela deve se manter como está. No entanto, a Internet como a conhecemos e queremos – livre e democrática – encontra-se ameaçada por práticas de mercado. É justamente para proteger a sua navegação que o Marco Civil precisa virar lei.

São três os pilares que sustentam o projeto. O primeiro deles é a neutralidade da rede. Ela garante que tudo que o internauta acessa seja tratado da mesma forma, sem qualquer discriminação em relação ao conteúdo, ao destino ou origem do pacote de dados, ou ao tipo de serviço. Ou seja, você tem o direito de baixar e-mails, navegar por sites ou usar o Skype com a mesma velocidade. Sem a neutralidade da rede, seu provedor de conexão pode fazer acordos comerciais com determinados portais, privilegiando o acesso a eles, em detrimento de outros. Seu poder de escolha evapora.

A neutralidade da rede também impede um modelo de negócio que se assemelha à TV por assinatura, ao criar pacotes com acessos a serviços pré-determinados. Por exemplo, se você quiser apenas receber ou enviar e-mails terá que pagar um preço, mas se quiser fazer downloads de músicas ou vídeos o valor aumenta. Isto nada tem a ver com pacotes diferentes de velocidades, que continuarão permitidos. Significa que, sem a neutralidade assegurada, os provedores terão aval para analisar e discriminar o conteúdo acessado pelo consumidor, comprometendo a liberdade de escolha, a livre concorrência na rede e a possibilidade de inovação.

A proteção aos dados dos usuários nos traz ao segundo ponto principal deste projeto de lei. Hoje em dia, empresas comercializam dados de navegação de internautas brasileiros sem o conhecimento dos consumidores. O Marco Civil avança na proteção à privacidade ao proibir práticas como esta. Os provedores de conexão ficam impedidos de guardar os registros do que o usuário acessa na web. Passa a ser um direito do usuário não ter seus dados de conexão e navegação entregues a terceiros, sem que ele consinta.

O próximo ponto não é só um pilar do Marco Civil, mas da própria internet: a liberdade de expressão. O projeto estipula que um site ou rede social só pode ser responsabilizado civilmente por qualquer dano causado por conteúdo postado por terceiros se, mesmo após ordem judicial, não retirar o conteúdo infringente. Isto evita o julgamento apressado que acontece hoje em dia, quando sites e redes sociais excluem conteúdo quase que imediatamente após serem notificados por usuários e entidades por medo de serem processados. Desta forma, o provedor deixa de ser o juiz da questão, e a censura é evitada.

Como ficam, então, os direitos autorais? Por ser um assunto complexo e que vai além da internet, ele será devidamente discutido e atualizado na Reforma da Lei de Direitos Autorais, que o Ministério da Cultura proporá ao Congresso neste ano. Sendo assim, a regra sobre responsabilidade civil de sites ou redes sociais descrita no parágrafo anterior não se aplicará a casos de violação de direitos autorais.

Como você pode imaginar, toda esta proteção aos direitos e aos dados dos usuários coloca limites a práticas já adotadas por provedores de conexão, que deixarão de ganhar bilhões de reais obtidos às custas da privacidade do consumidor. Por isto, a oposição frontal destas empresas ao projeto, o que tem impedido a sua votação. A Câmara, no entanto, terá que enfrentar a discussão. E os parlamentares terão que decidir de que lado vão ficar: do lado de seus eleitores, os internautas, ou do lado dos provedores de conexão.

O que propõe o Marco Civil

Três pilares

O projeto de lei que tramita no Congresso está baseado em três pilares: a neutralidade da rede, a proteção aos dados dos usuários e a liberdade de expressão.

Neutralidade

Segundo Molon, neutralidade não tem a ver com pacotes diferentes de velocidade, que continuarão permitidos, mas com o direito do internauta de acessar diferentes conteúdos ou utilizar diferentes serviços da mesma forma.

Proteção aos dados

O Marco Civil proíbe a comercialização de dados de navegação dos internautas brasileiros sem autorização dos consumidores

Liberdade de expressão

De acordo com o relator do projeto de lei, o Marco Civil da Internet evita o que acontece hoje em dia, quando sites e redes sociais excluem conteúdo quase que imediatamente após serem notificados por usuários e entidades por medo de serem processados. “O provedor deixa de ser juiz da questão e a censura é evitada”, defende.

Alessandro Molon é deputado federal pelo PT-RJ
(artigo originalmente publicado no jornal O Povo do Ceará)

O pregador e o pecador: por uma nova cultura política

Emiliano José

Vivemos uma contradição entre o país com suas significativas transformações culturais e materiais decorrentes da política e a constante desqualificação da política, e do próprio país, pelo caminho de uma campanha constante, e seletiva, contra a corrupção. Este foi o tema tratado pelo autor no XIII Seminário Internacional Ética na Gestão, realizado em novembro, em Brasília, painel “A influência ética na cultura e sua inter-relação”
O moralismo udenista, que estivera tão tragicamente presente, especialmente nas décadas de 1950 e 1960, volta a assolar, nos revisitando. Parece ser difícil assimilar lições do passado, ou demora muito para que tais lições sejam assimiladas.
No mundo globalizado, e globalizado de há muito, sob a hegemonia do modo de produção capitalista, há a emergência de valores que de alguma forma se tornam universais e fundamentais à sobrevivência do próprio capitalismo. Ninguém pode dizer que o ser humano é individualista, por exemplo, senão que ele é estimulado, desde cedo, a sê-lo porque isso é parte da ideologia capitalista. O ser individualista é construído por obra e graça do trabalho sistemático e cotidiano dos aparatos superestruturais do capitalismo, entre os quais avulta a mídia, intimamente conectada à visão de mundo do capitalismo.
 Como ninguém poderia dizer que o ser humano nasce com propensão ao consumo, senão que desde cedo nossas crianças são estimuladas a isso, com todas as consequências nefastas que importa. Ninguém nasce com propensão a disputar ferozmente com outros seres humanos, senão que se estimula esse valor – o de derrotar o outro – como essencial para a afirmação individual. No capitalismo, considera-se positiva a ideologia de que o homem deva ser o lobo do homem. A competição selvagem é parte desse jogo, é da cultura capitalista, inerente a ela, e justificada a cada segundo como tal.
 E o neoliberalismo elevou isso ao paroxismo, e nem sei se a monumental crise vivida pelo capitalismo atual modifica alguma coisa dessa cultura, a não ser pela intervenção da política. Claro que, ao circunscrever a discussão ao capitalismo, não quero dizer que em outros modos de produção não houve ideologias semelhantes, culturas parecidas, mas não vou aqui tratar de outros momentos da história.
Lembro isso, e cito alguns valores cuja matriz é o capitalismo, um modo de produção fundado no valor de troca, para mencionar o quanto a cultura, de alguma forma, é também construída desde cima. Não comungo inteiramente da ideia de que os valores das classes dominadas são os valores das classes dominantes, mas é inegável que sob muitos aspectos é verdadeira, sobretudo diante do extraordinário aparato intelectual erigido para construir e difundir um mundo simbólico, uma cultura, voltados ao fortalecimento do capitalismo, até hoje e mais do que ontem, absolutamente hegemônico em escala mundial.
    
Emiliano José é deputado federal pelo PT-BA, professor-doutor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (aposentado).
(Texto publicado originalmente no site Teoria e Debate)