terça-feira, 5 de março de 2013

Dilma Rousseff, do Brasil, é popular, mas não na mídia


Vincent Bevins

Ricos e poderosos, os jornais e redes de TV têm sido críticos à presidente de esquerda apesar de sua política de não intervenção.

Por Vincent Bevins, Los Angeles Times

São Paulo, Brasil -  Quando o presidente de esquerda João Goulart foi deposto pelos militares brasileiros, em 1964, as principais mídias do país, controladas por algumas famílias ricas, comemoraram.

Mas durante a ditadura de 21 anos que se seguiu, o governo censurou os jornais e estações de televisão que eram operados por essas famílias.

As coisas são diferentes agora. Desde 2003, o Brasil tem sido governado pelo partido de centro esquerda, Partido dos Trabalhadores, conhecido como PT, que não se envolveu com a mídia .

Mas a mídia impressa e as televisões, ainda controlada pelas mesmas famílias, têm sido críticas ao partido apesar de a presidente Dilma ter 78% de aprovação da opinião pública. Com críticas ásperas de certos jornais e revistas, nenhuma empresa  da grande mídia a apoia.

"Há  uma situação extremamente única agora no Brasil por haver um governo tão popular e nenhum canal da grande mídia que o apoie ou apresente uma visão de esquerda", diz Laurindo Leal Filho, especialista em mídia da Universidade de São Paulo.

A oposição ao Partido dos Trabalhadores tem estado presente desde que o ex-metalúrgico de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva, que já foi preso pela ditadura militar, foi eleito presidente em 2002. Lula rapidamente se moveu para o centro e acomodou elites empresariais, e na década seguinte viu um "boom" econômico que tirou cerca de 40 milhões de brasileiros da pobreza.

" A sociedade brasileira foi baseada por 300 anos na escravidão, e tem quase sempre sido conduzida pelas mesmas camadas sociais" Leal Filho diz. "Algumas partes da classe alta têm aprendido a conviver com outras partes da sociedade que eram anteriormente excluídas ... mas a mídia ainda reflete os valores da velha elite, com algumas poucas exceções."

Os jornais mais críticos têm sido amplamente elogiados pelas contundentes investigações sobre corrupção que levaram oito membros do governo  de Rousseff a serem substituídos, e 25 funcionários de alto nível a serem condenados por um escândalo de compra de votos durante o governo Lula. Mas apoiadores do governo dizem que a mídia presta menos atenção à corrupção quando envolve outros partidos políticos.

Os “Repórteres Sem Fronteiras” divulgaram recentemente um relatório criticando a concentração da mídia no Brasil e recomendaram uma revisão das leis relacionadas aos meios de comunicação. Mas ao contrário de outros lugares da América Latina, onde os governos têm uma batalha aberta  com os críticos de mídia privada, o governo brasileiro tem tomado uma atitude relaxada.

Mesmo que houvesse um esforço concertado para tomar medidas, seria politicamente impossível, dizem analistas. Os Repórteres do Sem Fronteiras relatam detalhes de laços estreitos entre partes da mídia e membros do Congresso, alguns dos quais até votam para conceder licenças para estabelecimentos que possuem, especialmente fora das grandes cidades. Para conduzir o país, Dilma deve navegar nas águas complicadas do sistema parlamentar brasileiro e trabalhar com mais de 20 outros partidos.

"É lamentável, mas para governar este país você tem que estabelecer alianças", diz Mino Carta, editor da Carta Capital, a única publicação que apoia o governo. Ela vende 60 mil cópias por semana, em um país de quase 200 milhões.

Enquanto isso, Dilma Rousseff, que foi torturada pela ditadura por suas atividades de esquerda na década de 1970, assumiu a crítica dos meios de comunicação no tranco, periodicamente, reafirmando sua crença na liberdade de expressão.

A tentativa de construir um grande canal de notícias que apresentasse um ponto de vista diferente seria extremamente difícil, Carta afirma, devido à necessidade de receitas de publicidade.

"Isso seria uma lenta meta em longo prazo na verdade", diz o septuagenário de origem italiana.

A maioria dos grandes jornais brasileiros diz serem neutros e objetivos.

Sérgio Dávila, editor-executivo do jornal Folha de São Paulo, jornal do Brasil de maior circulação, diz: "Quando Fernando Henrique Cardoso estava no governo, [seu partido] o PSDB disse que nós estávamos contra eles e pró-PT."

Dávila aponta para um relatório publicado no jornal na época detalhando votos comprados para garantir a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. "Agora estamos apenas vendo o outro lado da moeda."

Mas muitos adeptos do PT veem os grandes jornais, incluindo a Folha e O Estado de São Paulo, como anti-Dilma, assim como a rede de televisão e os jornais do grupo dominante, Globo.

"A grande mídia sempre defendeu os interesses dos poderosos", diz José Everaldo da Silva, um trabalhador portuário aposentado e eleitor do PT do nordeste tradicionalmente pobre do país, região que tem se beneficiado especialmente pelo governo do PT. "Todo mundo se lembra do que fez a Globo na primeira eleição de Lula."

Quando Lula concorreu pela primeira vez para presidente em 1989, a TV Globo pesadamente editou o seu último debate com Fernando Collor de Mello, dando a Lula menos tempo e mostrando todos os melhores momentos de Collor. As urnas viraram a favor de Collor, que foi eleito e depois cassado por corrupção.

O episódio se tornou tema de um documentário britânico intitulado "Além do Cidadão Kane".

A TV Globo mais tarde reconheceu ter cometido um erro, mas nega que agora haja qualquer tendência. "A Globo é absolutamente apartidária. Ela não dá opiniões sobre os governos e busca a neutralidade em seus programas de notícias", diz um porta-voz.

As emissoras de TV são relativamente moderadas e são a fonte de notícias mais importante do que os jornais impressos para os brasileiros, a maioria dos quais não costuma ler jornais ou revistas, diz David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília.

"Estações de TV não atacam [Rousseff] como a mídia impressa faz", diz Fleischer.

Em forte contraste com a maior parte do mundo, a mídia impressa está crescendo no Brasil, com a alfabetização e aumento do consumo de notícias. A circulação da Folha aumentou 2% na versão impressa e 300% online no ano passado.

" Uma maior diversidade na mídia seria bom para o país", diz Dávila. "Eu realmente não sei por que isso não está acontecendo."

Por enquanto, nem Dilma nem o aposentado trabalhador portuário, Da Silva, parecem preocupados.

"Todo mundo que viaja por aqui pode ver claramente que o Brasil mudou. A Globo distorce a verdade, sim. Mas não é tão ruim. Quem se importa? Eles podem dizer o que quiserem", Da Silva diz, em uma entrevista por telefone, e em seguida dá uma risada. "Na verdade, eu estou assistindo a Globo agora."

Vincent Bevins é correspondente especial dos Los Angeles Times
(texto originalmente publicado no site Los Angeles Times - tradução não oficial- para ler a integra, em inglês, acesse http://migre.me/dxmHp)

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